Acordei
cedo. Meus olhos arderam e eu tive de correr para o banheiro. Pinguei as gotas
de um colírio qualquer até minha vista normalizar. Tomei café. Café não. Uma
boa, enorme e fumegante xícara de chá mate. Demorei-me com ela em mãos, saboreando
cada instante e cada gole. No fim, lavei a xícara e abri o jornal. Nada muito
interessante acontecia. Segui para os classificados. Um desempregado tem de
olhar a sessão de empregos como uma criança observa a meia de presente atrás da
porta. Nada empolgante, nada que eu soubesse fazer e nada que eu quisesse
fazer. Saco. Atirei o jornal contra a mesa de centro da sala e fui até ao
portão. Observei por um tempo o vaivém apressado das pessoas com horários a
cumprir e chefes para lamber. Esse é o lado adorável do desemprego. Não temos
compromissos nem bajulações agendadas. Ri-me um pouco ao lembrar como costumava
ironizar meu antigo chefe sem que ele percebesse. Talvez ele tenha percebido e
talvez, por isso eu seja hoje um ex-funcionário. Encarei o reflexo no espelho.
Era como estar diante da minha mãe apontando de forma torturante cada um de
meus defeitos. Escovei os dentes e passei a mão pelos fios ainda finos da
barba. Aparava o rosto dia sim e dia não, mas sempre odiei o ritual. Era como
se eu abrisse mão da minha masculinidade, daquilo que em parte me diferenciava
das garotas. Bom, se agora eu não tinha chefe, então nada de barba a fazer.
Talvez eu pudesse deixar que ela crescesse até os níveis proféticos. Seria
engraçado. Mas as garotas não gostam de barbas enormes, elas envelhecem e
aparentam mais idade. Ah, amanhã então eu encaro a lâmina. Vamos ver depois.
Ajeitei com o cabelo com as mãos. Batidinhas aqui e ali até ficar tudo no lugar
certo, cobrindo a calvície que já aparecia e, ao mesmo tempo, dando aquele
toque rebelde que eu adoro. E não é que estava ótimo? Maldito good hair day logo quando eu ia ficar
enfurnado em casa. Maravilha. Liguei a televisão e dei sorte. Estavam passando
os gols da rodada de ontem à noite. Beleza. A tela mostrava a atualização da
tabela e meu time lá embaixo, brigando para não cair. Puta merda, técnico filho
da puta. Por que esse bosta do presidente não demite logo? Acho que ele já deve
estar pensando no título da série B do ano que vem. Vou ao quarto, ligo o
computador. Saio abrindo o primeiro MP3 que pipoca. É Twenty Years, do Placebo. Maneirinho. Agora vejo que deixei um
lembrete na área de trabalho. Ah, sim. Pagar o IPVA atrasado. Devia estar com
cocô na cabeça quando coloquei isso. Afinal, estou duro como uma pedra, então
de onde tirar granar para pegar essa porra? Girando bolsa na esquina da
Getúlio? Se fuder, porra. Agora entro nos sites de notícia e só tem a mesma
chatice que já tinha lido no impresso. Olho os sites de fofoca. Tento saber
quem está comendo quem. Pura futilidade. Pareço até uma mulher às vezes. Página
de esportes. Sempre o mesmo de sempre e eu sempre retornando. Ah, vamos ver
algo mais engraçado. Dá-lhe, YouTube. Vídeos de animais? Não. Vídeos de
porradaria? Pode ser. Olha, dois anões se pegando de tapa. Massa. Tem um outro. Garotas se beijando. É,
eu sempre vejo esse. Sugeriram um de cantadas baratas e manjadas. É, talvez eu
use uma dessas de noite. Deveria ter usado com a minha ex, assim ela jamais
teria sido atual e eu jamais teria deixado de fazer tanta coisa. Caralho, agora
vou ficar pensando nela durante algumas intermináveis horas. Não. Se o negócio
é pensar em mulher, então que seja com sacanagem. Sempre tenho os endereços dos
sites pornôs guardados em um txt que fica bem escondido no meio de pastas
inúteis. Lembro do Cadu, que coloca a pornografia em DVDs e escreve neles
coisas como “Jogo do Flamengo de 81” para a mulher não desconfiar. Gênio. Acho
todo tipo de merda. Escolhi uma categoria bem pesada. Legal. Já estou entrando
no clima. Será que tem alguém perto? Ah, melhor deixar isso para mais tarde.
Afinal, crise de adolescência depois dos 27 é foda. Opa, chegou gente. Mudo
rápido o site. Beleza. Tudo em casa. Depois, eu termino minha “visitação”. Tchau,
meninas. E não é que me bate um sono de final de manhã? Custa nada dar uma
deitadinha. Coisa de meia hora. Bom, o celular já está programado. Puta que
pariu, já são três da tarde? Porra de telefone, me deixou na mão de novo. Desço
e vejo que ainda tem um resto de comida. Requento no micro-ondas e mando goela
abaixo sem muita cerimônia. Só tem refri. Que seja. Bebo e já emendo com um
arroto de dar inveja ao Shrek. Que preguiça. Deixo a louça para lavar depois. Algumas horas de sujeira a mais não vão estragar o prato. Além disso, bom que
ajudo a alimentar as coitadinhas das moscas. Pego um livro e dou umas
folheadas. Coisa sem graça, mas eu encaro pelo menos um capítulo. É uma
história de amigos de faculdade que tentam achar emprego e buscam independência
financeira. Aposto que essa porra é da minha irmã. Só mesmo ela para ler essa
xaropada. Passo a mão no livrinho de palavras cruzadas do velho. Tudo já feito.
Acho que tenho de arrumar outra distração. Telefone toca. Um velho amigo
querendo sair de noite. Talvez eu saia. Ele prometeu tentar levar umas garotas.
Se ele cumprisse essas promessas, a essa altura eu teria uma mulher para cada
dia do ano. Ligo a TV. Bom, está passando mais uma reexibição de Two and a Half Men. Se fosse a temporada
com aquele fresco do Ashton Kutcher, já teria mudado. Mas é com o Charlie
Sheen. Bons tempos. Porra, que inveja do personagem dele. Dinheiro, casa de
praia, chicas de todos os tipos e muita bebida. Só não quero as doenças
venéreas dele. De resto, pego tudo. Zapping
time. Passando reprise de Malhação no canal Viva. Temporada de quando eu
era mais jovem, tipo uns 17 anos. Na época, já achava a história infantil. Hoje
acho que podia disputar horário com o Teletubbies. Vamos tentar outro canal.
Ah, ESPN. O mauricinho do Mauro Cezar Pereira falando merda. Outra tentativa. Passando
alguma das intermináveis continuações de Premonição. É sempre a mesma
historinha furada. Cansei do cabo. Estico a mão e abro a janela. Consigo ver
meu garoto reluzindo na garagem. Sua cor vinho está impecável. Esse cara é
lindo. Não à toa que as garotas não resistem. Acho que dá para dizer que ele já
transou mais do que eu. Bom, deixa ele lá, descansando. Afinal, o rapazinho vai
ter trabalho para mais tarde. Não me esqueço de quando o comprei. Tinha sido
demitido da empresa e estava sem namorada. Então o que eu fiz? Peguei toda a
grana da rescisão e do fundo de garantia e torrei no meu bólido. Foi uma estupidez
sem tamanho. Eu tinha certeza de que outro trabalho não demoraria a aparecer.
Que nada. Estou até hoje tentando. Claro que de vez em quando aparece um bico,
mas não é coisa que permita pagar seguro, IPVA, etc. Talvez eu tenha que
vendê-lo. Vamos ver. Acho que é hora de malhar. Como não tenho grana,
transformo meu quarto em uma academia. Tenho dois halteres que peguei de
segunda mão e uma barra de flexão afixada na soleira da porta. É o suficiente.
Esses exercícios sempre me deixam de mau humor. Uma chuveirada não é mau
negócio. Enxugo cada cantinho com muito cuidado. Odeio micoses e frieiras.
Claro que odeio ou alguém vai ter fetiche por essas coisas? Um desodorante para
garantir o cheirinho da noite. Internet mais uma vez. Fuço uma página de concursos
para ver o resultado da minha última prova. Bosta. Fiquei lá embaixo na
classificação. Para entrar, só um milagre político. Um cremezinho para deixar o
cabelo legal e um pouquinho de hidratante para as mãos e o rosto. Eu sei que é
meio gay, mas ser vaidoso faz a diferença. Pronto. Abro o guarda-roupa e passo
o olho por todas as camisas. Algumas apertadas demais, outras de menos. Achei
uma que vai servir. Pego o primeiro jeans que vejo e completo o look com um
tênis cinza. Olhadinha no espelho para conferir. É, tudo certo. Lindão. Ops,
esqueci o perfume. Umas boas espirradas e agora sim. Tiro o carro da garagem me
sentindo o Vin Diesel. Furioso e veloz (para os meus padrões). Meu amigo já
está me ligando feito um louco. Ele que espere. Afinal, dez minutinhos de atraso
não matam ninguém. Cheguei. Barzinho meia boca. Brahma no copo e cadê as
garotas? Não vieram por que uma teve uma estratégica crise de enxaqueca. Que
delícia isso. Meu amigo e eu tomamos a cerva e falamos dos mesmos assuntos de
sempre. Tudo igual. O telefone dele toca. Parece algum rolo mal resolvido
resolvendo dar-lhe uma nova chance. Ele se manda. Eu também tomo mais alguns
copos e puxo o carro. Uma ligação. Amiga de longa data. Muito tempo sem vê-la,
por que liga justamente nessa noite? Pelo sim, pelo não e por não ter nada
melhor a fazer, fui vê-la. Ela marcou em um boteco na Zona Sul. Lá, a vejo com
dois caras: um careca e um mais velho, com uma touca estranha na cabeça. Pego
uma cadeira e tento entrar na roda. Conversa estranha. Abstrata demais para um
cara que só curte cerveja e vodka. Fico na minha, só de orelha acesa. Quando
tem a brecha, participo da conversa. Aos poucos, vou cavando uma vaga no time
titular. Um deles vai ao banheiro e o outro se levanta para pegar fogo. Legal,
porteira escancarada. Convido a tal amiga para irmos a outro barzinho. Caminho
livre. Não tem penetras, bicões nem velas. Tento beijar, ela se afasta, mas
sorri destilando cumplicidade. Vou pegar. Tenho certeza. Abraço e vou
aproximando meu rosto, primeiro por baixo, pelo pescoço. Ela se arrepia. Vou
subindo. Novos tremores. Deixo meus lábios deslizarem até tocar os dela. Novo
afastamento e um sorriso ainda mais convidativo. Vamos para o carro. Lá, ela
acende um cigarro e fala bobagens sobre vida e fé. Eu apenas olho sua boca se
movendo. Vou dar o bote. Ela sorri, mas evita o beijo. Tiro a camisa. Ela
apenas me olha, sem entregar o ouro. Eu sei que ela está a fim. Passo meu braço
por cima do ombro dela e a trago para mim. Ela se esquiva, diz que não e me
sorri. Hora de acabar com a brincadeira. Coloco uma baladinha no som e espero
que ela baixe a guarda. Show, ela se inclina no banco, ficando em um ótimo
ângulo para eu desabar com tudo. Porém, com um olhar esperto, ela prevê o
movimento e me deixa cair de cara no banco. Ri do meu desastrado ataque e manda
beijos com a mão direita antes de ir embora. Fico olhando, balançado entre
frustração e revanchismo. Mais um dia qualquer da minha vida chega ao fim.
Amanhã tem mais.
Esse blog é uma gota de meu sangue, um plasma de meus sentimentos. Poesia, humor, política, dor, frustrações. É um espaço onde sou o que deveria ser ou o que nunca fui. É um lugar onde sou um personagem e uma entidade em vida. Sou um rio e também as pedras. A angústia perdida ou um sorriso espontâneo. Sou eu em múltiplas formas ou em forma alguma.
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terça-feira, 28 de agosto de 2012
quinta-feira, 16 de agosto de 2012
Amizade possível?
Muito
já discutiu nas rodinhas de café e nas mesas de boteco sobre a amizade entre
homens e mulheres. Será mesmo que rola essa amizade sincera e sem interesses
sexuais entre os caras e as garotas?
Bom,
o primeiro ponto que vale ressaltar é que pode haver sim amizade entre homens e
mulheres, mesmo que exista lá no fundo a esperança de algo a mais. Não faz mal
achar uma amiga bonita e pensar que um dia poderia rolar algo, se os dois assim
desejarem. Duas pessoas não vão para cama porque são amigas, mas, por serem
amigas, isso não quer dizer também que nunca vá rolar. É uma questão de
interesses comuns em momentos coincidentes.
Por
uma perspectiva masculina, me arrisco a dizer que os homens, todos eles,
carimbam as amigas. Carimbam como? Com aquele invisível, mas existente selo de
pegabilidade. Em outras palavras, os caras rotulam as amigas entre aquelas que
ele pegaria e as que ele não pegaria.
Tudo
bem, é normal isso da parte masculina (na qual me incluo). Não significa que um
rapaz fica às escondidas babando pelas amigas que conquistou. Não é assim que
funciona. Amiga é amiga, mas, um dia, quem sabe, com os dois carentes em uma
mesma época, role algo? É assim que pensamos, na segura e infalível nuvem de
possibilidades.
Outro
ponto importante é que os homens, falo sério, respeitam muito essa linha
limítrofe entre a amizade e a pegação. Um cara que tenta avançar o sinal com
uma amiga sabe muito bem que não vai mais tê-la como amiga, independentemente
do que aconteça. Se rolar, vira rolo ou amizade colorida (que de amizade mesmo
não tem nada); se não rolar, vira frustração, pois a menina vai pensar que o
rapaz não sabe a diferença entre ser gentil e dar mole, enquanto ele vai se
sentir feio e/ou rejeitado.
Como
vocês podem perceber, é complicado misturar amizades e sentimentos. Meninas e
rapazes podem ser amigos até que role algo, depois disso a coisa se confunde e
vira uma geleia imperscrutável. Portanto, meninas, antes de dar mole para um
amigo em um arroubo de carência, pensem bem se vale a pena tê-lo como amante,
pois ele nunca mais vai conseguir enxergá-las apenas como coleguinhas. Rapaziada,
conecte o cérebro na tomada antes de cair matando nas amigas porque há o risco
de ficar no vácuo e com uma indelével fama de sem noção.
Então,
façam as contas e vejam o que vale mais a pena: um(a) amigo(a) ou um(a) peguete?
Sei que essa aritmética vai variar muito de pessoa para pessoa, dependo ainda da
circunstância e do(a) amigo(a) em questão, mas é um cálculo obrigatório no
delicado mundo das costuras sociais.
OBS: Segue abaixo a trilha sonora desse texto.
sexta-feira, 10 de agosto de 2012
Não julgue
Não vou
enrolar muito com introduções. Tentarei ser direto, embora isso seja difícil
para quem acha beleza na forma, no conteúdo e no encadeamento das palavras.
Enfim, o título que vocês podem ver aí em cima vem do filme “O que esperar
quando você está esperando”. Trata-se de uma história baseada na experiência
(às vezes apoteótica, às vezes caótica, mas sempre epifânica) de ser pai e mãe.
Não vou
falar sobre o filme, OK? Odeio estragar surpresas e isso vocês podem encontrar
em sites especializados na sétima arte. Vou falar é de uma parte dele.
Precisamente, sobre um grupo de pais que se encontra para conversar e discutir
os problemas e as soluções no relacionamento com os filhos. Esses pais têm
regras muito claras para quem participa das reuniões e uma delas é não julgar.
Ou seja, é proibido que um pai condene o outro moralmente por alguma falha
cometida com o filho. O grupo parte do princípio de que não são todos perfeitos
e, por isso, unem-se para buscar soluções e apoio mútuo.
Seria legal
um dia fazer um dad tour com meus amigos
Ricardo Peluso, Eduardo Antunes, com meu primo Diego e com meu irmão Davi, mas
isso é assunto para outra circunstância. O foco aqui é no pressuposto do não
julgamento. Quantas vezes (me incluo nessa) perdemos um tempo sagrado julgando
e condenando? As pessoas, sinceramente, não precisam disso. Já tem muita gente
apontando nossas falhas e equívocos, chafurdando o indicador no sangue da ferida.
Sendo
assim, acho que é muito mais produtivo encontrar as pessoas e debater como os
mesmos erros podem ser evitados, como nossos tropeços podem ser usados para
impedir deslizes alheios. Seres humanos realmente se fortalecem quando buscam
saídas para os labirintos da vida e não quando se apressam em crucificar quem
meteu os pés pelas mãos.
Então, fica
uma valiosa lição. Não perca tempo metralhando seus vizinhos, parentes, colegas
de trabalho e amigos. Ofereça soluções para os problemas deles e procure
aprender com o erro dos próximos, afinal, o mundo é pequeno e o mesmo nó que
está no cadarço de outra pessoa pode aparecer no seu sapato amanhã.
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