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quarta-feira, 28 de agosto de 2019

O elo mais forte




Assim começa o dia. Você acorda, abre os olhos e se vê perdido, completamente fudido. Nada mais faz sentido, todos os seus erros se somam, se avolumam, tornando-se um espantalho espelhado de todos os seus erros. E, do nada, tudo se torna pânico, se torna pesadelo. Esse é o processo de culpa. Ele brota aos poucos do seu inconsciente, mas explode de súbito, como um vulcão aceso. Aí, as lágrimas se misturam ao desespero, formando um painel torturante e dantesco. Então, por onde começar, como agir? Eu, francamente, não sei responder, porque a mente é individualmente complexa e confusa. Sei que é preciso aceitar os erros, assumir as responsabilidades e depois fazer o caminho de volta de tudo aquilo que erroneamente provocamos. É preciso mesmo processar a catarse, depurar o coração e, por fim, pedir perdão a quem seja for. Depois, enfim, haverá um pouco de paz de espírito, de ondas de calmaria. Aí, sim, será o tempo de reparação e de reconstrução, de recomeço e de redenção. Mas isso tudo só é válido se vier sublinhado de sincero arrependimento e de um novo modelo de comportamento. Quem repete os próprios erros não se arrependeu e muito menos aprendeu. É o mesmo roedor que ainda cai na mesma armadilha emocional de sempre. O novo agir é que leva à liberdade condicional, onde, sob supervisão de nós mesmos, vamos dando passos de nenê, um de cada vez, em busca de nova forma de interagir e de refazer tudo aquilo pelo qual sonhamos. Vencida a condicional, aí sim estaremos prontos para voos mais corajosos, para relações mais produtivas, em que estaremos de peito aberto para aceitar sofrer pelo outro sem a ele provocar nenhum dano. Aí, nessa zona de perigo, entendemos o que nos diz Cristo, quando sugeriu oferecer a outra face em resposta à agressão sofrida. Sofrimento se paga com tolerância e com compreensão. Nesse estágio da nossa evolução sentimental, estaremos preparados para, de fato, amar sem causar dor, para amar sem pedir provas de correspondência afetiva, para amar, enfim, sem olhar para trás, sem questionar o amado, crendo-lhe e confiando em sua capacidade de se crescer junto, de amar também em um exercício em que o coletivo suplante, e por muito, nosso senso de existência individual. Amar é, no fechamento de todas as reflexões, um gesto pluralista e empreendedor. Quem ama sempre estará cercado, sempre será o elo mais forte que forma uma corrente muito maior e muito mais envolvente do que podemos, egoistamente, ponderar. Amar é estar em um todo formado por tantos que jamais seremos capazes de separadamente contabilizar.


segunda-feira, 19 de agosto de 2019

Aquilo que lhe falta



Eu sou aquilo que lhe falta. Sou a roupa que você não tem, o sapato que ainda não comprou e o relógio que incompleta a sua coleção. Sou a viagem dos seus sonhos, a fantasia do seu consumo, tudo aquilo que suas mãos não alcançam. E jamais alcançarão. Luxos e luxúrias não equacionam nosso vazio existencial. Tudo aquilo que o dinheiro e os pés tocam não são suficientes para responder aos nossos anseios ancestrais, às interrogações abissais. Assim, a paz e o sossego só se tornam nosso refúgio quando entendemos que nossa busca é em nós mesmos, em nossa própria essência e em nossa própria reconstrução. Nada contra os prazeres desfrutados e desfrutáveis através do que honestamente conquistamos. Nada contra os passeios e as compras, afinal, trabalhamos para termos onde investir e aplicar. Mas isso somente não fecha o arco de nossas inquietações. Para se explicar e se entender, o ser humano precisa se aceitar. Isso não vem de fora, não vem do que adquirimos. Isso vem do que fazemos e de como interpretamos nossos próprios atos. Ao entendermos o que fazemos, podemos tomar isso como um caminho certo ou como descaminho. Sendo caminho certo, temos a paz necessária de seguir nele e de aperfeiçoá-lo. Se for descaminho, teremos de reajustar a rota e reedificar a estrada, tornando-a o elo para algo maior e mais profundo. Seja como for, a paz interior e a plenitude final são frutos daquilo que somos a partir de como agimos. Procurar soluções existenciais nas prateleiras do mundo é apenas paliativo que trata o sintoma, alimenta a causa e torna a identificação do problema ainda mais longínqua e fugaz.


segunda-feira, 12 de agosto de 2019

Sentimentos confusos



Por que é tudo assim tão solto e tão subliminar?
Por que não dizemos tudo o que queremos?
De quem temos medo? De nós mesmos ou de algo a mais?
Sinto essa vontade intensa, sufocante e vulcânica
De gritar, chorar, me expandir
Que lágrimas são essas que não as minhas?
Por que minhas emoções parecem assim tão divididas?
Eu quero entender, fazer acontecer
Embora ainda me sinta um navegador do nada
Um alguém que gira sem rumo e sem prumo
Será que você virá mesmo me resgatar?
Porque sinto você também tão perdida
Ainda assim, nesse mar de sentimentos confusos
Poderemos nos reencontrar e nos abraçar
Mas será um abraço genuíno e redentor?
Ou apenas um desesperado entrelaço de afogados?

quinta-feira, 8 de agosto de 2019

Minha própria busca



Minha vida está passando, o tempo está passando; como se fossem paredes de um quarto se fechando para me esmagar. Que pesadelo, que gosto amargo. Mas isso, então, é o final? Um desespero agudo e curto, como se fosse o estampido de um tiro de revólver? O que mais fazer? Para onde ir? Cada resposta que eu busco me deixa ainda mais confuso. Nunca fui tão aconselhado e nunca estive mais perdido. Parece uma piada de mau gosto de destino. Tudo que tento se perde no nada, minhas tentativas são todas sem acerto. O erro é o que me cabe. Já tentei a receita de Samuel Beckett, melhorei meus fracassos, mas eles continuam sendo fracassos. As soluções eu não tenho. Para piorar, não estou ficando mais jovem ou mais atraente. Pelo contrário, o desgaste dos anos já me alcança e meu corpo é prova disso. Como faço para recuperar meu tempo perdido? O que me diria Renato Russo em sua voz rouca e grave? Eu simplesmente não sei o que fazer. Eu me sinto a beira do precipício, a ponto de desistir. Mas aí me vem um pensamento louco e muito recorrente. E se eu estiver no caminho errado? E se eu estiver disputando maratona em meio a um rali de motos? Ou se estiver de moto no meio de uma marcha atlética? Não importa chegar antes ou depois. Eu sempre serei desclassificado por que não estou seguindo as regras do jogo. Aliás, nem sei mesmo qual o meu jogo. Aí, respiro fundo, pego minhas coisas e me perco por aí. Entre o nada e o abismo, repenso todo o meu caminho e tudo que ali fiz por escolha própria ou por imposições indiretas. Então me cai a ficha. Eu não preciso ter sucesso ou ser o melhor. Eu preciso é me esforçar ao máximo naquilo que eu escolhi para fazer. A opinião dos outros, essa eu prefiro deixar para lá, porque, no fundo, não me querem mal, mas me fazem muito mal quando querem que eu seja aquilo que não sou. Enfim, agora eu sei o que seguir, qual o meu jogo e por onde começar. Seja como for, tudo é meu: a culpa, o custo, o crédito, o débito, ou o que estiver lá na frente me esperando. A minha resposta, no fim, foi a minha própria busca.

Algo de novo



Há algo de novo ali no horizonte. Não só em Belo Horizonte, mas em todos os horizontes que se avista Brasil afora. Acorda em seu coração um sorriso; não um sorriso qualquer, mas aquele sorriso límpido, intransitivo, no modo imperativo. Aquele sorriso que não requer qualquer palavra para ser respondido por outro sorriso, talvez ainda mais vívido e radiante. Não há discurso túrgido ou mórbido capaz de calar essa voz que nasce crédula e imponente, se postando em favor da pluralidade e da empatia, acima de qualquer maldade ou retrocesso. Não há muito o que se descrever para quem ainda se encolhe nas sombras e no obscurantismo, mas resta esperança de que as inteligências ainda se regenerarão e se insurgirão contra o peso do infortúnio e do fracasso anunciado. Em tempos de resistência, é preciso ter paciência com os oprimidos que se julgam opressores, com aqueles que vivem ainda enclausurados em suas próprias síndromes de Estocolmo. No fim, isso é certo, brilhará intensamente a luz do saber e da clarividência, permitindo que não mais nos enxerguemos como inimigos entrincheirados em lados opostos. Quando a sabedoria superar a desavença, nos enxergaremos como irmãos de jornadas, como passageiros de uma mesma aeronave com um mesmo destino. E aí, trabalharemos muito mais como cúmplices e parceiros do que como adversários em uma batalha tão sem sentido e tão vazia em resultados.