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terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Viver é para ontem


                      Eu não sei o que é olhar para trás. Não que eu nunca tenha feito, mas, quando o fiz, não me fez bem. Olhar a vida pelo retrovisor é perigoso, causa vertigens e arrependimentos. Ninguém está livre dos erros e do espírito perfeccionista que se apossa de nós quando investigamos as pegadas de nossa história. Passado serve para nos dar orgulho e prover lições. Nada além disso. 
               Estabelecer um fetiche pelo que já foi nos faria procurar de forma obcecada por uma forma de voltar atrás e corrigir tudo. No entanto, não há corretivo; a vida é escrita à tinta e não à grafite. Se há remorso, que isso seja o ponto de partida para não repetirmos os mesmos vícios; se algo ainda não foi feito, faça já, imediatamente; se quer ajudar alguém, não espere por um pedido ou grito de socorro; se o porvir é preocupante, desde já se prepare para ele.
                A vida é assim, não dá para rebobinar ou dar pause, não dá para sentar sobre a calçada esperando o ano virar ou a semana começar. A vida é urgência, é para já, ou melhor, para ontem.
                Sendo assim, não viva de planos, viva de realizações. Faça o que quer, pois o tempo é curto demais para ficarmos agradando pessoas que não nos significam nada. É esse o recado: pé na porta e mão na massa. Quem faz o grandioso chegou lá porque não se preocupou em agradar ninguém além de si mesmo e de sua própria vocação.
                Do contrário, passaremos o resto da vida cantarolando os versos de Heaven knows I´m miserable now e choramingando pelo tempo perdido: “...Oh, why do I give valuable time/To people who don´t care if I live or die?..” (...Oh, não sei por que gasto precioso tempo com pessoas que nem ligam se eu estou vivo ou morto...).


sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

O cara perfeito


           
          O cara lindo, charmoso, compreensivo, bem sucedido, desimpedido, descolado, inteligente, fiel e cúmplice não existe. Explicando melhor, não existe com todas essas virtudes ao mesmo tempo. É como aquela brincadeira de desenho animado em que aparece um buraco na parede e, quando o personagem o tampa com uma das mãos, surge outro que, bloqueado, faz aparecer mais um até que não haja como o pobre e enrolado personagem fechar todos os orifícios existentes simultaneamente.


     Homens são assim: para cada virtude uma saraivada de defeitos. Não conseguimos, por exemplo, ser impecáveis na aparência e pontuais em um mesmo encontro. Em geral, ou chegamos na hora ou deixamos algum fiapo de vaidade pelo caminho para não perder o tempo. É assim que funciona: não somos capazes de cantarolar e tocar guitarra no mesmo instante.

        Práticos como nossos ancestrais das cavernas, nos especializamos em uma coisa em detrimento de outra. Desse jeito, podemos cantar muito bem ou exibir refinada perícia nos acordes, mas, fazer com excelência as duas atividades de uma só vez, não rola. Isso faz de nós criaturas exclusivas porque não conseguimos agradar duas garotas em uma só tacada. Umas vão nos adorar e outras nos odiar (isso não faz de nós o Restart, OK?).

         Além de nossos múltiplos defeitos e de nossa deficiência com multiplicidades, homem é, em geral desatento e desligado. Basta uma “sentada” à frente de computador, videogame, TV ou cerveja que o resto do mundo deixa de existir. Simples como um estalar de dedos.

         Aliás, em comum mesmo, temos os defeitos. O resto difere muito. Por isso, o sapo desajustado de cada garota será diferente. Nunca seremos príncipes, sempre sapos. Mas, garotas, vocês ao menos poderão dizer que é o sapo de vocês e de mais ninguém.

        Se fôssemos aqueles seres perfeitos dos contos de fadas/comédias românticas, vocês acham mesmo que daríamos exclusividade? Seria tanta mulher dando mole que passaríamos o trator sem dó nem piedade, sempre sabendo que no dia seguinte haveria uma “novidade” no cardápio.

         Sermos defeituosos é a nossa humanidade, a âncora que nos puxa para o frio solo da realidade. E, já que está frio, o melhor mesmo é termos uma garota especial para nos aquecer diante dos desafios dessas tantas vidas que levamos. Afinal, se não somos perfeitos (nem nós nem vocês, garotas), temos enquanto consolo a chance de evoluirmos juntos.

terça-feira, 11 de dezembro de 2012

Homem tem de chorar


              
              O homem que disse “homem não chora” chorava escondido. Homem chora e muito. Choramos por amores não correspondidos, choramos por sentimentos doloridos e pela falta de reconhecimento alheio. As lágrimas nos vêm em arroubos de arrependimento ou de tristeza por alguém que se vai.

            O homem tem de chorar. É assim que lavamos a alma e ejetamos os resíduos das batalhas que travamos com Chronos. Acredito que o pranto é um dos raros momentos em que nossa alma se desnuda. Talvez por isso tenha incomodado tanto o autor da célebre frase. 

            A verdade é que até Deus chorou. Duvido muito que um pai não choraria vendo o filho castigado, torturado e morto por uma falange de estúpidos. Essa é a vida que nos bate, nos fustiga até sangrarmos em forma de gotas salgadas.

            Isso só me faz concluir que homem chora e deve chorar sim. Não é, claro, para descascar cebolas ou fazer um curso de teatro. Não. O choro deve ser livre e espontâneo. Deve rolar com o peso das emoções que nos pressionam. Pode ser um amor bandido ou desencontrado, uma frustração, uma perda irreparável ou até mesmo o acúmulo das pequenas decepções diárias. Não importa, o importante é que, quando os cílios se inundarem, não segure as lágrimas. Elas são como cães selvagens: quanto mais encarceradas, mais elas se rebelarão até conseguirem a fuga (e isso vai acontecer, acredite, na pior hora possível).

            Juro que essa vai ser uma das lições que passarei para meus filhos (que ainda vão vir) e sobrinhos: chore toda vez que a carga de sentimentos não couber no coração. A catarse é um dos segredos das pessoas felizes, um equilíbrio que nos protege de nossos próprios fantasmas.

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

O homem além da curva


Ele nasceu em um mundo redondo, da barriga encurvada de uma mãe zelosa. Foi amamentado pelos seios espiralados de um amor eternal. Cresceu vendo que a vida é cíclica, retornando ao começo para uma nova tentativa. Ele entendeu que a dialética não é papo furado de livros sobre filosofia. Ele se encantava com as praias cariocas, com os corpos sensuais das garotas de biquíni e com as ondas girando em direção à areia. Ele estudou e fez amigos. Percebeu que as relações humanas não caminham em linhas, mas em curvas e desvios complexos e ricos. Ele enfrentou o status quo porque não aceitou que ideias devam ser impostas por tanques e armas como um horizonte plano que desaba sobre nossas cabeças. Ele viajou, conheceu o mundo e percebeu que não existe fim de linha, mas apenas o reinício de uma volta. Ele transpôs as belezas sinuosas para sua arte, transformou um ofício de funcionalidade em uma ode à criação e à produção. De fato, ele fez algo novo, inédito, revolucionário. Viveu para colher os frutos de seu engenho, inspirou uma geração de sonhadores e profetas. Desafiou a vida e driblou por muitas vezes o esquife. E tinha razão para tal. Sempre era possível aprender e assimilar algo engrandecedor com essa mente extraordinária. Incrivelmente, seu corpo envelhecia, mas a maestria de sua psique se renovava infinitamente. Até a virgindade de um guardanapo se via ameaçada quando caía nas mãos desse gênio indomável. Pronto, jaz um pedaço de papel para o nascimento de mais um projeto mágico. Até na despedida, tudo é diferente. É difícil chorar porque ele vai com o dever de casa rabiscado, assinado e aprovado. Na verdade, a hora é de reverência, é de nos curvarmos em respeito e admiração a quem reinventou a vida, entortou a morte e, agora, se prepara para um novo trabalho em um lugar que realmente há de merecer toda a argúcia de seus planos e traços. 


Não é o ângulo reto que me atrai, nem a linha reta, dura, inflexível, criada pelo homem. O que me atrai é a curva livre e sensual, a curva que encontro nas montanhas do meu país, no curso sinuoso dos seus rios, nas ondas do mar, no corpo da mulher preferida. De curvas é feito todo o universo, o universo curvo de Einstein
Oscar Niemeyer