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terça-feira, 28 de agosto de 2012

Um dia qualquer


Acordei cedo. Meus olhos arderam e eu tive de correr para o banheiro. Pinguei as gotas de um colírio qualquer até minha vista normalizar. Tomei café. Café não. Uma boa, enorme e fumegante xícara de chá mate. Demorei-me com ela em mãos, saboreando cada instante e cada gole. No fim, lavei a xícara e abri o jornal. Nada muito interessante acontecia. Segui para os classificados. Um desempregado tem de olhar a sessão de empregos como uma criança observa a meia de presente atrás da porta. Nada empolgante, nada que eu soubesse fazer e nada que eu quisesse fazer. Saco. Atirei o jornal contra a mesa de centro da sala e fui até ao portão. Observei por um tempo o vaivém apressado das pessoas com horários a cumprir e chefes para lamber. Esse é o lado adorável do desemprego. Não temos compromissos nem bajulações agendadas. Ri-me um pouco ao lembrar como costumava ironizar meu antigo chefe sem que ele percebesse. Talvez ele tenha percebido e talvez, por isso eu seja hoje um ex-funcionário. Encarei o reflexo no espelho. Era como estar diante da minha mãe apontando de forma torturante cada um de meus defeitos. Escovei os dentes e passei a mão pelos fios ainda finos da barba. Aparava o rosto dia sim e dia não, mas sempre odiei o ritual. Era como se eu abrisse mão da minha masculinidade, daquilo que em parte me diferenciava das garotas. Bom, se agora eu não tinha chefe, então nada de barba a fazer. Talvez eu pudesse deixar que ela crescesse até os níveis proféticos. Seria engraçado. Mas as garotas não gostam de barbas enormes, elas envelhecem e aparentam mais idade. Ah, amanhã então eu encaro a lâmina. Vamos ver depois. Ajeitei com o cabelo com as mãos. Batidinhas aqui e ali até ficar tudo no lugar certo, cobrindo a calvície que já aparecia e, ao mesmo tempo, dando aquele toque rebelde que eu adoro. E não é que estava ótimo? Maldito good hair day logo quando eu ia ficar enfurnado em casa. Maravilha. Liguei a televisão e dei sorte. Estavam passando os gols da rodada de ontem à noite. Beleza. A tela mostrava a atualização da tabela e meu time lá embaixo, brigando para não cair. Puta merda, técnico filho da puta. Por que esse bosta do presidente não demite logo? Acho que ele já deve estar pensando no título da série B do ano que vem. Vou ao quarto, ligo o computador. Saio abrindo o primeiro MP3 que pipoca. É Twenty Years, do Placebo. Maneirinho. Agora vejo que deixei um lembrete na área de trabalho. Ah, sim. Pagar o IPVA atrasado. Devia estar com cocô na cabeça quando coloquei isso. Afinal, estou duro como uma pedra, então de onde tirar granar para pegar essa porra? Girando bolsa na esquina da Getúlio? Se fuder, porra. Agora entro nos sites de notícia e só tem a mesma chatice que já tinha lido no impresso. Olho os sites de fofoca. Tento saber quem está comendo quem. Pura futilidade. Pareço até uma mulher às vezes. Página de esportes. Sempre o mesmo de sempre e eu sempre retornando. Ah, vamos ver algo mais engraçado. Dá-lhe, YouTube. Vídeos de animais? Não. Vídeos de porradaria? Pode ser. Olha, dois anões se pegando de tapa.  Massa. Tem um outro. Garotas se beijando. É, eu sempre vejo esse. Sugeriram um de cantadas baratas e manjadas. É, talvez eu use uma dessas de noite. Deveria ter usado com a minha ex, assim ela jamais teria sido atual e eu jamais teria deixado de fazer tanta coisa. Caralho, agora vou ficar pensando nela durante algumas intermináveis horas. Não. Se o negócio é pensar em mulher, então que seja com sacanagem. Sempre tenho os endereços dos sites pornôs guardados em um txt que fica bem escondido no meio de pastas inúteis. Lembro do Cadu, que coloca a pornografia em DVDs e escreve neles coisas como “Jogo do Flamengo de 81” para a mulher não desconfiar. Gênio. Acho todo tipo de merda. Escolhi uma categoria bem pesada. Legal. Já estou entrando no clima. Será que tem alguém perto? Ah, melhor deixar isso para mais tarde. Afinal, crise de adolescência depois dos 27 é foda. Opa, chegou gente. Mudo rápido o site. Beleza. Tudo em casa. Depois, eu termino minha “visitação”. Tchau, meninas. E não é que me bate um sono de final de manhã? Custa nada dar uma deitadinha. Coisa de meia hora. Bom, o celular já está programado. Puta que pariu, já são três da tarde? Porra de telefone, me deixou na mão de novo. Desço e vejo que ainda tem um resto de comida. Requento no micro-ondas e mando goela abaixo sem muita cerimônia. Só tem refri. Que seja. Bebo e já emendo com um arroto de dar inveja ao Shrek. Que preguiça. Deixo a louça para lavar depois. Algumas horas de sujeira a mais não vão estragar o prato. Além disso, bom que ajudo a alimentar as coitadinhas das moscas. Pego um livro e dou umas folheadas. Coisa sem graça, mas eu encaro pelo menos um capítulo. É uma história de amigos de faculdade que tentam achar emprego e buscam independência financeira. Aposto que essa porra é da minha irmã. Só mesmo ela para ler essa xaropada. Passo a mão no livrinho de palavras cruzadas do velho. Tudo já feito. Acho que tenho de arrumar outra distração. Telefone toca. Um velho amigo querendo sair de noite. Talvez eu saia. Ele prometeu tentar levar umas garotas. Se ele cumprisse essas promessas, a essa altura eu teria uma mulher para cada dia do ano. Ligo a TV. Bom, está passando mais uma reexibição de Two and a Half Men. Se fosse a temporada com aquele fresco do Ashton Kutcher, já teria mudado. Mas é com o Charlie Sheen. Bons tempos. Porra, que inveja do personagem dele. Dinheiro, casa de praia, chicas de todos os tipos e muita bebida. Só não quero as doenças venéreas dele. De resto, pego tudo. Zapping time. Passando reprise de Malhação no canal Viva. Temporada de quando eu era mais jovem, tipo uns 17 anos. Na época, já achava a história infantil. Hoje acho que podia disputar horário com o Teletubbies. Vamos tentar outro canal. Ah, ESPN. O mauricinho do Mauro Cezar Pereira falando merda. Outra tentativa. Passando alguma das intermináveis continuações de Premonição. É sempre a mesma historinha furada. Cansei do cabo. Estico a mão e abro a janela. Consigo ver meu garoto reluzindo na garagem. Sua cor vinho está impecável. Esse cara é lindo. Não à toa que as garotas não resistem. Acho que dá para dizer que ele já transou mais do que eu. Bom, deixa ele lá, descansando. Afinal, o rapazinho vai ter trabalho para mais tarde. Não me esqueço de quando o comprei. Tinha sido demitido da empresa e estava sem namorada. Então o que eu fiz? Peguei toda a grana da rescisão e do fundo de garantia e torrei no meu bólido. Foi uma estupidez sem tamanho. Eu tinha certeza de que outro trabalho não demoraria a aparecer. Que nada. Estou até hoje tentando. Claro que de vez em quando aparece um bico, mas não é coisa que permita pagar seguro, IPVA, etc. Talvez eu tenha que vendê-lo. Vamos ver. Acho que é hora de malhar. Como não tenho grana, transformo meu quarto em uma academia. Tenho dois halteres que peguei de segunda mão e uma barra de flexão afixada na soleira da porta. É o suficiente. Esses exercícios sempre me deixam de mau humor. Uma chuveirada não é mau negócio. Enxugo cada cantinho com muito cuidado. Odeio micoses e frieiras. Claro que odeio ou alguém vai ter fetiche por essas coisas? Um desodorante para garantir o cheirinho da noite. Internet mais uma vez. Fuço uma página de concursos para ver o resultado da minha última prova. Bosta. Fiquei lá embaixo na classificação. Para entrar, só um milagre político. Um cremezinho para deixar o cabelo legal e um pouquinho de hidratante para as mãos e o rosto. Eu sei que é meio gay, mas ser vaidoso faz a diferença. Pronto. Abro o guarda-roupa e passo o olho por todas as camisas. Algumas apertadas demais, outras de menos. Achei uma que vai servir. Pego o primeiro jeans que vejo e completo o look com um tênis cinza. Olhadinha no espelho para conferir. É, tudo certo. Lindão. Ops, esqueci o perfume. Umas boas espirradas e agora sim. Tiro o carro da garagem me sentindo o Vin Diesel. Furioso e veloz (para os meus padrões). Meu amigo já está me ligando feito um louco. Ele que espere. Afinal, dez minutinhos de atraso não matam ninguém. Cheguei. Barzinho meia boca. Brahma no copo e cadê as garotas? Não vieram por que uma teve uma estratégica crise de enxaqueca. Que delícia isso. Meu amigo e eu tomamos a cerva e falamos dos mesmos assuntos de sempre. Tudo igual. O telefone dele toca. Parece algum rolo mal resolvido resolvendo dar-lhe uma nova chance. Ele se manda. Eu também tomo mais alguns copos e puxo o carro. Uma ligação. Amiga de longa data. Muito tempo sem vê-la, por que liga justamente nessa noite? Pelo sim, pelo não e por não ter nada melhor a fazer, fui vê-la. Ela marcou em um boteco na Zona Sul. Lá, a vejo com dois caras: um careca e um mais velho, com uma touca estranha na cabeça. Pego uma cadeira e tento entrar na roda. Conversa estranha. Abstrata demais para um cara que só curte cerveja e vodka. Fico na minha, só de orelha acesa. Quando tem a brecha, participo da conversa. Aos poucos, vou cavando uma vaga no time titular. Um deles vai ao banheiro e o outro se levanta para pegar fogo. Legal, porteira escancarada. Convido a tal amiga para irmos a outro barzinho. Caminho livre. Não tem penetras, bicões nem velas. Tento beijar, ela se afasta, mas sorri destilando cumplicidade. Vou pegar. Tenho certeza. Abraço e vou aproximando meu rosto, primeiro por baixo, pelo pescoço. Ela se arrepia. Vou subindo. Novos tremores. Deixo meus lábios deslizarem até tocar os dela. Novo afastamento e um sorriso ainda mais convidativo. Vamos para o carro. Lá, ela acende um cigarro e fala bobagens sobre vida e fé. Eu apenas olho sua boca se movendo. Vou dar o bote. Ela sorri, mas evita o beijo. Tiro a camisa. Ela apenas me olha, sem entregar o ouro. Eu sei que ela está a fim. Passo meu braço por cima do ombro dela e a trago para mim. Ela se esquiva, diz que não e me sorri. Hora de acabar com a brincadeira. Coloco uma baladinha no som e espero que ela baixe a guarda. Show, ela se inclina no banco, ficando em um ótimo ângulo para eu desabar com tudo. Porém, com um olhar esperto, ela prevê o movimento e me deixa cair de cara no banco. Ri do meu desastrado ataque e manda beijos com a mão direita antes de ir embora. Fico olhando, balançado entre frustração e revanchismo. Mais um dia qualquer da minha vida chega ao fim. Amanhã tem mais.

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

Amizade possível?


Muito já discutiu nas rodinhas de café e nas mesas de boteco sobre a amizade entre homens e mulheres. Será mesmo que rola essa amizade sincera e sem interesses sexuais entre os caras e as garotas?
Bom, o primeiro ponto que vale ressaltar é que pode haver sim amizade entre homens e mulheres, mesmo que exista lá no fundo a esperança de algo a mais. Não faz mal achar uma amiga bonita e pensar que um dia poderia rolar algo, se os dois assim desejarem. Duas pessoas não vão para cama porque são amigas, mas, por serem amigas, isso não quer dizer também que nunca vá rolar. É uma questão de interesses comuns em momentos coincidentes.
Por uma perspectiva masculina, me arrisco a dizer que os homens, todos eles, carimbam as amigas. Carimbam como? Com aquele invisível, mas existente selo de pegabilidade. Em outras palavras, os caras rotulam as amigas entre aquelas que ele pegaria e as que ele não pegaria.
Tudo bem, é normal isso da parte masculina (na qual me incluo). Não significa que um rapaz fica às escondidas babando pelas amigas que conquistou. Não é assim que funciona. Amiga é amiga, mas, um dia, quem sabe, com os dois carentes em uma mesma época, role algo? É assim que pensamos, na segura e infalível nuvem de possibilidades.
Outro ponto importante é que os homens, falo sério, respeitam muito essa linha limítrofe entre a amizade e a pegação. Um cara que tenta avançar o sinal com uma amiga sabe muito bem que não vai mais tê-la como amiga, independentemente do que aconteça. Se rolar, vira rolo ou amizade colorida (que de amizade mesmo não tem nada); se não rolar, vira frustração, pois a menina vai pensar que o rapaz não sabe a diferença entre ser gentil e dar mole, enquanto ele vai se sentir feio e/ou rejeitado.
Como vocês podem perceber, é complicado misturar amizades e sentimentos. Meninas e rapazes podem ser amigos até que role algo, depois disso a coisa se confunde e vira uma geleia imperscrutável. Portanto, meninas, antes de dar mole para um amigo em um arroubo de carência, pensem bem se vale a pena tê-lo como amante, pois ele nunca mais vai conseguir enxergá-las apenas como coleguinhas. Rapaziada, conecte o cérebro na tomada antes de cair matando nas amigas porque há o risco de ficar no vácuo e com uma indelével fama de sem noção.
Então, façam as contas e vejam o que vale mais a pena: um(a) amigo(a) ou um(a) peguete? Sei que essa aritmética vai variar muito de pessoa para pessoa, dependo ainda da circunstância e do(a) amigo(a) em questão, mas é um cálculo obrigatório no delicado mundo das costuras sociais. 

OBS: Segue abaixo a trilha sonora desse texto.



sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Não julgue


Não vou enrolar muito com introduções. Tentarei ser direto, embora isso seja difícil para quem acha beleza na forma, no conteúdo e no encadeamento das palavras. Enfim, o título que vocês podem ver aí em cima vem do filme “O que esperar quando você está esperando”. Trata-se de uma história baseada na experiência (às vezes apoteótica, às vezes caótica, mas sempre epifânica) de ser pai e mãe.
Não vou falar sobre o filme, OK? Odeio estragar surpresas e isso vocês podem encontrar em sites especializados na sétima arte. Vou falar é de uma parte dele. Precisamente, sobre um grupo de pais que se encontra para conversar e discutir os problemas e as soluções no relacionamento com os filhos. Esses pais têm regras muito claras para quem participa das reuniões e uma delas é não julgar. Ou seja, é proibido que um pai condene o outro moralmente por alguma falha cometida com o filho. O grupo parte do princípio de que não são todos perfeitos e, por isso, unem-se para buscar soluções e apoio mútuo.
Seria legal um dia fazer um dad tour com meus amigos Ricardo Peluso, Eduardo Antunes, com meu primo Diego e com meu irmão Davi, mas isso é assunto para outra circunstância. O foco aqui é no pressuposto do não julgamento. Quantas vezes (me incluo nessa) perdemos um tempo sagrado julgando e condenando? As pessoas, sinceramente, não precisam disso. Já tem muita gente apontando nossas falhas e equívocos, chafurdando o indicador no sangue da ferida.
Sendo assim, acho que é muito mais produtivo encontrar as pessoas e debater como os mesmos erros podem ser evitados, como nossos tropeços podem ser usados para impedir deslizes alheios. Seres humanos realmente se fortalecem quando buscam saídas para os labirintos da vida e não quando se apressam em crucificar quem meteu os pés pelas mãos.
Então, fica uma valiosa lição. Não perca tempo metralhando seus vizinhos, parentes, colegas de trabalho e amigos. Ofereça soluções para os problemas deles e procure aprender com o erro dos próximos, afinal, o mundo é pequeno e o mesmo nó que está no cadarço de outra pessoa pode aparecer no seu sapato amanhã.