Que vida vive o artista?
Você conhece algum artista? Entre amigos e parentes, reconhece algum talento singular? Se sua resposta for não, certamente há algo errado. Errado, porém recorrente.
É inegavelmente difícil ver algum artista desbravar as trevas da desconfiança para revelar-se ao mundo. Notadamente, não se fala aqui de um artista de estirpe, de um artista que herda o ofício dos pais ou que já se encontra envolvido nas teias de uma ampla rede cultural.
O foco é o artista marginal, o artista que tem o talento como escudo solitário. Desse tipo de artista, injustamente, cobra-se produção, resultados, status. Ele é visto como um ser que apenas torna-se digno quando ostenta posses e posições destacadas.
Esse tipo de cobrança, infeliz até a medula, começa no seio do lar, na família. Ao contrário do estímulo natural que se forma em torno do sintoma de talento, força-se uma profissionalização, o ingresso nas engrenagens do modo de produção capitalista. Desse modo, o potencial artístico, enxerga-se na obrigação de “ganhar” a vida, de obter um rendimento que nada mais é do que fruto da exploração trabalhista. A arte escapa para um segundo plano, sob rótulo de hobby ou de uma atividade a que se destina o mais cruel descrédito.
É possível que um atleta de ponta, do mais alto rendimento, trabalhe 8 horas diárias na escravatura de nossas fábricas e escritórios e, ainda assim, obtenha resultados de medalhista olímpico?
Idêntica lógica aplica-se ao universo cultural. Um artista jamais exerce sua plena forma tendo de se equilibrar entre o fio da navalha de um emprego nas esteiras do neoliberalismo e os espasmos criativos.
Em suma, a vida que o artista vive é pautada por uma tessitura malévola e cruenta. Os raros horizontes que se abrem são apenas as varinhas mágicas que estão prontas a transformar arte em produto, inspiração em consumo. A criação pura e artesanal é varrida para o limbo.
Talvez isso tudo explique com didatismo porque muitos não conhecem um artista. Além de uma natural miopia, de uma total alienação e de uma bruta doutrinação a respeito das fronteiras artísticas, desencoraja a arte e seus criadores a falta de instrumentos e de canais que façam da arte um fim e não um meio. Ou alguém considera os artistas marginais (aqueles das ruas, das praças, da esquinas) como um elemento de vanguarda? Sejam sinceros e verão que, pelo prisma que foi imposto, no lugar do artista, enxergasse sim um poeta do ócio, um desertor do exército industrial.
Então, por favor, observem os artistas com os olhos que a natureza legou e os exorte a conquistar os palcos e as páginas. Eles são agentes de transformação, são elos que tornam as correntes de nossa resistência diante da opressão oligárquico-burguesa muito mais poderosas e solidárias.
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