Eu estava feliz. Era uma
noite pulsante, de música alta e garotas bonitas. Não economizei na bebida. Era
uma festa e todos queriam se divertir. Eu trocava olhares e ganhava sorrisos.
Quando visitava o reservado, me namorava no espelho, ajeitando os fios dos
cabelos e a gola da camisa polo. Ao sair, me deparei com um espetáculo. Uma
menina, uma mulher, ou melhor, uma fusão simétrica das duas ideias. Busquei-a
pelos lábios, mas ela esquivou-se e desapareceu entre a multidão com um beijo
que eu deveria roubar. Tudo bem. Sem pressa ou desespero. Afinal, ainda tenho
uma noite inteira pela frente. Encontrei meus amigos. São figuras muito
engraçadas, daquelas que encontram um fiapo de comédia nas horas trágicas e uma
pitada de drama no vácuo das risadas. Abracei efusivamente cada um deles.
Abraços escandalosos, daqueles que provocam calor e costelas quebradas.
Gargalhamos das mesmas piadas e histórias de sempre. Gargalhamos por estarmos
juntos, ainda na franja de uma vida que muito nos destinaria. As luzes
brilhavam forte na hora em que a escuridão artificial tomou conta de tudo. Os
corpos remexiam cheios de swing e sonhos. Eu imaginava que, naquela hora,
ninguém mais se lembrava dos problemas, das contas a pagar, da matéria
acumulada na faculdade e da bagunça nas repúblicas. É como se realmente não
existem problemas. Deixei minha alma cair naquele baile de silhuetas e halos.
Dançar não era meu forte, mas rir de mim mesmo sempre foi uma especialidade da
casa. Assim que o fôlego inverteu posição com o êxtase, fui ao bar. Aquela
confusão típica de baladas, muita gente, muita gritaria e pouco atendimento. Ao
cabo de 15 minutos que mais pareciam a eternidade, consegui sair com três long
necks junto ao peito. Sim, foram logo três porque não queria voltar ali tão
cedo. Bebi uma, bebi duas, na terceira fui impedido por uma mão delicada.
Apesar do blecaute iluminado, percebi que era a gata fugitiva. Ela bebeu direto
do gargalo com um olhar lascivo, depois a retornou aos meus lábios. Senti o
gosto e a umidade que ela tinha deixado na boca, como se fosse a sombra de um
sorriso. Não demorou para que nossos rostos se encontrassem em algum ponto do
infinito.Senti meu corpo se aquecer, tomado por um furor quase inexplicável.
Retomei os beijos que cada vez mais avançavam em intensidade e desejos. Meus
amigos, de algum canto estratégico, me acenavam como se eu tivesse feito um gol
de título gaúcho. Amanhã meu Inter estaria em campo. E daí? Só quis saber de me
perder e me prender ainda mais naquele labirinto de torpores. Com um ar
vitorioso, enderecei no novo olhar os meus parceiros. Eles faziam caretas, suas
faces contorciam-se entremeadas de pavor e expectativa. Não entendi se era uma
brincadeira ou um desafio. Avistei então o céu em chamas, com gotas de fogo
decaindo, acompanhada de uma cachoeira de fumaça que se derramava sobre a
pista. O desespero tomou forma, cor e cheiro. Gritos explodiam e logo a
racionalidade não mais existia. Todos corriam, atropelando-se, sem saber para
onde ir. Os rapazes da banda que estava ao palco já tinham se retirado. As
portas, por alguns instantes, mantiveram-se fechadas, como que esperando o
Inferno desabar sobre todos nós. A fumaça já roubava de muitos o que ainda
restava de forças e sobriedade. Corpos desfalecidos brotavam por todos os
ângulos. A garota que eu tinha nas mãos tombou. Ainda vivia. Carreguei-a até a
saída, não economizando as parcas forças que me restavam. Engoli aquela nuvem
negra como quem digeri uma víbora ainda animada. Com a visão turva, derramei
seu corpo sobre a calçada, arrisquei uma massagem cardíaca (mero instinto) e só
descansei quando ela tossiu e levantou o tórax. Estava aflita, mas salva.
Arrastei-me até onde pude e consegui visualizar meus amigos. Todos bem. Como um
soldado que encontra o fim da batalha, senti todo entorno ficar leve e brando.
Senti meus olhos pesarem e minha alma fluir. Um brilho deu fim a todo o terror.
O desespero terminava para, com a graça de Deus, jamais retornar.
Nenhum comentário:
Postar um comentário