Total de visualizações de página

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Noite final


Eu estava feliz. Era uma noite pulsante, de música alta e garotas bonitas. Não economizei na bebida. Era uma festa e todos queriam se divertir. Eu trocava olhares e ganhava sorrisos. Quando visitava o reservado, me namorava no espelho, ajeitando os fios dos cabelos e a gola da camisa polo. Ao sair, me deparei com um espetáculo. Uma menina, uma mulher, ou melhor, uma fusão simétrica das duas ideias. Busquei-a pelos lábios, mas ela esquivou-se e desapareceu entre a multidão com um beijo que eu deveria roubar. Tudo bem. Sem pressa ou desespero. Afinal, ainda tenho uma noite inteira pela frente. Encontrei meus amigos. São figuras muito engraçadas, daquelas que encontram um fiapo de comédia nas horas trágicas e uma pitada de drama no vácuo das risadas. Abracei efusivamente cada um deles. Abraços escandalosos, daqueles que provocam calor e costelas quebradas. Gargalhamos das mesmas piadas e histórias de sempre. Gargalhamos por estarmos juntos, ainda na franja de uma vida que muito nos destinaria. As luzes brilhavam forte na hora em que a escuridão artificial tomou conta de tudo. Os corpos remexiam cheios de swing e sonhos. Eu imaginava que, naquela hora, ninguém mais se lembrava dos problemas, das contas a pagar, da matéria acumulada na faculdade e da bagunça nas repúblicas. É como se realmente não existem problemas. Deixei minha alma cair naquele baile de silhuetas e halos. Dançar não era meu forte, mas rir de mim mesmo sempre foi uma especialidade da casa. Assim que o fôlego inverteu posição com o êxtase, fui ao bar. Aquela confusão típica de baladas, muita gente, muita gritaria e pouco atendimento. Ao cabo de 15 minutos que mais pareciam a eternidade, consegui sair com três long necks junto ao peito. Sim, foram logo três porque não queria voltar ali tão cedo. Bebi uma, bebi duas, na terceira fui impedido por uma mão delicada. Apesar do blecaute iluminado, percebi que era a gata fugitiva. Ela bebeu direto do gargalo com um olhar lascivo, depois a retornou aos meus lábios. Senti o gosto e a umidade que ela tinha deixado na boca, como se fosse a sombra de um sorriso. Não demorou para que nossos rostos se encontrassem em algum ponto do infinito.Senti meu corpo se aquecer, tomado por um furor quase inexplicável. Retomei os beijos que cada vez mais avançavam em intensidade e desejos. Meus amigos, de algum canto estratégico, me acenavam como se eu tivesse feito um gol de título gaúcho. Amanhã meu Inter estaria em campo. E daí? Só quis saber de me perder e me prender ainda mais naquele labirinto de torpores. Com um ar vitorioso, enderecei no novo olhar os meus parceiros. Eles faziam caretas, suas faces contorciam-se entremeadas de pavor e expectativa. Não entendi se era uma brincadeira ou um desafio. Avistei então o céu em chamas, com gotas de fogo decaindo, acompanhada de uma cachoeira de fumaça que se derramava sobre a pista. O desespero tomou forma, cor e cheiro. Gritos explodiam e logo a racionalidade não mais existia. Todos corriam, atropelando-se, sem saber para onde ir. Os rapazes da banda que estava ao palco já tinham se retirado. As portas, por alguns instantes, mantiveram-se fechadas, como que esperando o Inferno desabar sobre todos nós. A fumaça já roubava de muitos o que ainda restava de forças e sobriedade. Corpos desfalecidos brotavam por todos os ângulos. A garota que eu tinha nas mãos tombou. Ainda vivia. Carreguei-a até a saída, não economizando as parcas forças que me restavam. Engoli aquela nuvem negra como quem digeri uma víbora ainda animada. Com a visão turva, derramei seu corpo sobre a calçada, arrisquei uma massagem cardíaca (mero instinto) e só descansei quando ela tossiu e levantou o tórax. Estava aflita, mas salva. Arrastei-me até onde pude e consegui visualizar meus amigos. Todos bem. Como um soldado que encontra o fim da batalha, senti todo entorno ficar leve e brando. Senti meus olhos pesarem e minha alma fluir. Um brilho deu fim a todo o terror. O desespero terminava para, com a graça de Deus, jamais retornar.

Nenhum comentário:

Postar um comentário