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sábado, 24 de julho de 2010

O dançarino


Ele dança encarando o espelho. As lágrimas bailam pelas curvas da face e depois mergulham para o infinito. Na cabeça, um chapéu que desenterrou de um baú de velharias. Em umas das mãos, uma luva de muitos anos.
Ele canta, gira, sapateia. Materializa movimentos surreais com seu corpo de elástico, desafiando os limites da física e das ciências. Era uma forma de homenagear uma pessoa querida, morta horas antes. Aquele show na escuridão vazia de um quarto representa toda dor que irrompe do peito para os passos, o gingado, a arte. O player do computador não se cansa de tocar as mesmas canções, de descascar a mesma ferida. As páginas da web noticiam sem parar. São fotos, vídeos, imagens e músicas. Os holofotes, os flashes, as manchetes apontam para um mesmo ponto: o infinito.       
Dolorido, machucado, desfalcado de si, ainda assim o dançarino gira e se movimenta, flutuando pelo ar, duelando com a gravidade e com as leis de Newton. É um instante em que pode tocar os dedos que se foram e a saudade que se instala. Novas lágrimas, novos passos, a mesma sensação. Nada pode estancar aquela hemorragia de sentimentos, aquela brutal lacuna. Uma parte do passado e um pedaço do futuro serão enterrados em algum lugar desse mundo. Restará o vazio, restará a fria constatação de que algo ficou para trás. É como se o mundo e o tempo continuassem seu destino, seu curso, deixando algo perdido nas páginas do pretérito. Estamos perplexos diante da tragédia que é comum, que alcança diferentes pessoas, diferentes países, todos os dias, todas as horas e em todo lugar. Porém, com ele parecia que jamais aconteceria. Ele parecia maior que tudo e todos. Ele parecia um imortal, um homem de mil destinos e de mil histórias. Um homem que jamais seria calado pelo amargor de um túmulo.
Algo parece sem sentido. Falta ao planeta um de seus alicerces, um de seus pilares. O reino está órfão. Perdeu seu rei, sua criança. Perdemos todos nós. Mas ele continua dançando e girando. O espelho está lá, refletindo e expandindo toda aquela dor, toda aquela magia. As lágrimas continuam flutuando, continuam se multiplicando. Nada explica a dor e a devoção daquele dançarino. Ele apenas baila e chora. Ele sabe que os portões da eternidade estão abertos, que a história começa a ser escrita pela tristeza de quem ficou, de quem agora se sente marcado a ferro e fogo por uma estrela que brilhou tão rápida e intensamente nos corações de uma terra febril. Estamos sós, estamos entregues às nossas dores e lembranças. Só nos resta recordar de tudo: do auge, da queda, da ascensão e glória, da decadência e crise. Só nos resta dançar e seguir os passos daquele dançarino anônimo que transforma sua dor em arte, seu sofrimento em inspiração, continuando o doloroso e poderoso ciclo dialético que marca nossa passagem pelos painéis da existência.
Tudo que fazemos, tudo que somos, tudo transforma esse mundo, tudo transforma as pessoas. Não somos indiferentes, não temos armaduras e escudos, não temos blindagem. Nosso coração apenas chora, nossas lágrimas apenas descem. Não sabemos para onde vamos, para onde nossa tristeza nos levará. Mas vamos e vamos com estilo, com swing, com magia e poesia. Vamos seguir a trilha dançante e lúdica daqueles bailarinos, o anônimo que rodopia e valsa para pontuar sua dor e o onipresente que agora repousa no berço da infinitude, nas gravações e nas imagens reproduzidas em multiplataformas, em múltiplas vozes que o cantam imortal e em coro.

sábado, 17 de julho de 2010

As formas do amor


O amor infante
imaginamos balão
que se enche de ar,
de sentimentos, emoções,
lembranças e surpresas.
Depois de um tempo,
exacerbado de conteúdo,
ele explode vulcânico
e pulveriza ressentimento
em todas as latitudes,
em cada eixo cardeal.
Há outra forma, porém,
de materializar o coração.
Podemos entendê-lo
como grande construção,
somos todos operários,
cada sensação, cada momento
é um tijolo a encaixar
no horizonte de concreto
para, em noites frias de luar,
acalentarmos nossos ombros
em doce berço de amor,
nosso incomparável lar.

segunda-feira, 12 de julho de 2010

Talento supera agressividade

A final da Copa de 2010 entre Espanha e Holanda trazia expectativas. Primeiramente, qual seria o novo campeão inédito do mundo? E quem venceria? O time do toque de bola e de poucos gols ou a equipe de placares mais generosos e futebol menos vistoso?  
Quando a Jobulani rolou, a Espanha quis responder às questões com boas chegadas do lateral Sérgio Ramos.  A Holanda, sufocada e violenta, só ameaçou quando Heitinga, em um lance de “fair play”, foi devolver a bola aos espanhóis e quase surpreendeu Casillas. Depois, em jogada ensaiada, o zagueirão holandês Mathisen furou dentro da área, livre de marcação.     
No segundo tempo, a proposta dos times se tornou mais evidente. A Espanha procurava espremer a Laranja com seu toque de bola envolvente enquanto a Holanda apostava nos contragolpes. E em dois deles, Robben ficou cara a cara com o arqueiro espanhol. Perdeu as duas oportunidades. A Espanha também teve sua chance com Villa, que desperdiçou.
A ausência de gols empurrou a decisão para o tempo extra. A Holanda sacou De Jong. A Espanha agradeceu. Com um buraco à frente da zaga da Laranja, Fabregas entrou como quis. Faltou pontaria para definir. Com a Fúria chegando a todo momento, restou à Holanda fazer faltas e, em uma delas, Heitinga levou o cartão vermelho. Com um a mais, os espaços se multiplicaram ainda mais para os ibéricos e Fabregas, solidário, deixou Iniesta de frente com Stekelenburg. Chute colocado, drible no goleiro, cavadinha por cima? Que nada. Aos 11 minutos do segundo tempo de prorrogação, o herói da Espanha mandou uma bomba, sem chance para o goleiro holandês. Foi o gol do título. A Holanda ainda se lançou ao ataque. Mas não havia mais tempo. O apito do árbitro inglês Howard Webb decretou o triunfo ibérico.
Vitória de uma seleção que foi à África jogar futebol, de uma seleção que levou seus melhores jogadores e valorizou a juventude, de uma seleção comandada por um técnico com história na função que se propôs a exercer. Vitória de uma seleção que muito tem a ensinar a um país com cinco estrelas no peito e que se julgava capaz de vencer, baseando-se apenas em veteranos em péssima fase e em jogadores destemperados.

sábado, 3 de julho de 2010

Arrogância e despreparo arruínam o hexa


A princípio, torci bastante para nossa seleção. Dunga disciplinou a equipe, peitou a poderosa Rede Globo e conquistou resultados expressivos. Radical, o capitão do tetra preconizou a realização de um trabalho diametralmente oposto ao que se viu em 2006. E assim foi.
No entanto, se as vitórias ocultam erros e falhas, os fracassos também podem encobrir virtudes. No caso de 2006, o descontrole total e a falta de comprometimento apagaram a majestosa qualidade técnica de jogadores como Ronaldo, Adriano, Kaká, R. Gaúcho, Robinho, Juninho Pernambucano e outros. O Brasil não perdeu porque tinha atletas talentosos, mas sim porque não soube explorá-los. Equívocos que foram debitados da conta de Parreira, mas que deveriam se estender a gente como Rodrigo Paiva, Américo Faria e, sobretudo, Ricardo Teixeira.
Ao execrar tudo feito na Copa da Alemanha, Dunga deveria ter aberto uma exceção aos virtuosos. Aqueles capazes de pegar a bola e mudar o roteiro de uma partida. Mas Dunga se debruçou sobre uma rigorosa cartilha que pontifica ser o talento apenas um detalhe em um projeto que se desejava exitoso. Dunga, certamente, se esqueceu de que, além da entrega, a conquista de 94 dependeu diretamente do brilho de Romário e Bebeto. Dunga esqueceu que, para vencer no futebol , é preciso saber jogar futebol.
A seleção desembarcou na África com um grupo irreconhecível para quem ostenta 5 estrelas no uniforme. Felipe Melo, Júlio Baptista, Kléberson, Grafite, Gilberto e Doni soavam como personagens de uma anedota sem graça. Magia e genialidade não combinavam em um caldeirão que só ardia na fé de que era possível ganhar uma Copa sem talento, só no nome, no louvor e na cara amarrada.
Nas entrevistas, lances de ira, de ódio, de gratuito rancor. Em campo, nenhum lance que encarnasse a mística de uma camisa que já vestiu Pelé, Garrinha, Nilton Santos, Didi, Zagallo, Gerson, Tostão, Rivelino, Jairzinho, Romário, Bebeto, Ronaldo, Rivaldo e Ronaldinho Gaúcho.
O despreparo técnico se processou dos campos de concentração da CBF para os gramados. Atuação tortuosa contra a Coreia do Norte, vitória burocrática sobre Costa do Marfim e partida sem alma diante de Portugal. Uma classificação sem sustos, mas também sem encanto. Um jogo fácil nas oitavas, contra uma criança chilena de quem se subtraiu a guloseima com autoridade e sem riscos.
Diante de uma Holanda, já duas vezes vice-campeã do Mundo, o Brasil entrou apostando no peso do escudo e na confiança de um elenco com 3 atuais campeões da Champions. Mas os Laranjas também tinham um campeão europeu e dois outros que entraram em campo na final disputada em Madrid. O time de Dunga começou melhor, encontrou inspiração, Luis Fabiano, Kaká e Robinho triangularam.  O gol saiu, duas vezes. Só o segundo valeu. A demonstração de força, contudo, emparedou os holandeses que não assustaram uma vez sequer na primeira etapa. Foram os melhores 45 minutos da era Dunga.
Na volta dos túneis, parece que alguém já havia aberto uma champanhe em comemoração à classificação antecipada às semifinais. O Brasil voltou desligado, desplugado. O sintoma de que algo ruim viria. Dunga esbanjou destempero e falta de experiência. Duelou com a estrutura metálica do banco de reservas, vociferou e transmitiu insegurança aos comandados. Deveria, no lugar dos berros, mexer a equipe antes dos gols da Holanda e da expulsão. Mas não o fez. Arrogante, testemunhou com privilégio seus preceitos técnicos serem demolidos pela grotesca falha de Júlio César e pelo coma profundo que imperou sobre a zaga brasileira. Felipe Melo assinou o atestado de óbito do time ao pisar em Robben e cavar a própria sepultura de sua história na seleção brasileira. Decretou-se o fim (da era) para Dunga.
Depois de comprar brigas gratuitas, desgastar-se perante aliados e distribuir cumprimentos aos cavalos, Dunga encerra seu ciclo na CBF de forma amarga, azeda. Prometeu uma revolução na forma de se pensar e conduzir o futebol fora de campo, mas, no fundo, ao obter os mesmos resultados de seu antecessor, Parreira, apenas reescreveu uma narrativa destinada ao fracasso. Como canta uma banda gaúcha,  para respeitar as raízes de nosso ex-treinador: “a história se repete, mas a força deixa a história mal contada”. Dunga repetiu Parreira, mas acrescentou linhas de deselegância, destempero e falta de civilidade. Merece vaias, contestações e muitas críticas no seu retorno ao país. Julgou-se acima dos mortais e terminou abaixo do estrato dos vermes.