Ele dança encarando o espelho. As lágrimas bailam pelas curvas da face e depois mergulham para o infinito. Na cabeça, um chapéu que desenterrou de um baú de velharias. Em umas das mãos, uma luva de muitos anos.
Ele canta, gira, sapateia. Materializa movimentos surreais com seu corpo de elástico, desafiando os limites da física e das ciências. Era uma forma de homenagear uma pessoa querida, morta horas antes. Aquele show na escuridão vazia de um quarto representa toda dor que irrompe do peito para os passos, o gingado, a arte. O player do computador não se cansa de tocar as mesmas canções, de descascar a mesma ferida. As páginas da web noticiam sem parar. São fotos, vídeos, imagens e músicas. Os holofotes, os flashes, as manchetes apontam para um mesmo ponto: o infinito.
Dolorido, machucado, desfalcado de si, ainda assim o dançarino gira e se movimenta, flutuando pelo ar, duelando com a gravidade e com as leis de Newton. É um instante em que pode tocar os dedos que se foram e a saudade que se instala. Novas lágrimas, novos passos, a mesma sensação. Nada pode estancar aquela hemorragia de sentimentos, aquela brutal lacuna. Uma parte do passado e um pedaço do futuro serão enterrados em algum lugar desse mundo. Restará o vazio, restará a fria constatação de que algo ficou para trás. É como se o mundo e o tempo continuassem seu destino, seu curso, deixando algo perdido nas páginas do pretérito. Estamos perplexos diante da tragédia que é comum, que alcança diferentes pessoas, diferentes países, todos os dias, todas as horas e em todo lugar. Porém, com ele parecia que jamais aconteceria. Ele parecia maior que tudo e todos. Ele parecia um imortal, um homem de mil destinos e de mil histórias. Um homem que jamais seria calado pelo amargor de um túmulo.
Algo parece sem sentido. Falta ao planeta um de seus alicerces, um de seus pilares. O reino está órfão. Perdeu seu rei, sua criança. Perdemos todos nós. Mas ele continua dançando e girando. O espelho está lá, refletindo e expandindo toda aquela dor, toda aquela magia. As lágrimas continuam flutuando, continuam se multiplicando. Nada explica a dor e a devoção daquele dançarino. Ele apenas baila e chora. Ele sabe que os portões da eternidade estão abertos, que a história começa a ser escrita pela tristeza de quem ficou, de quem agora se sente marcado a ferro e fogo por uma estrela que brilhou tão rápida e intensamente nos corações de uma terra febril. Estamos sós, estamos entregues às nossas dores e lembranças. Só nos resta recordar de tudo: do auge, da queda, da ascensão e glória, da decadência e crise. Só nos resta dançar e seguir os passos daquele dançarino anônimo que transforma sua dor em arte, seu sofrimento em inspiração, continuando o doloroso e poderoso ciclo dialético que marca nossa passagem pelos painéis da existência.
Tudo que fazemos, tudo que somos, tudo transforma esse mundo, tudo transforma as pessoas. Não somos indiferentes, não temos armaduras e escudos, não temos blindagem. Nosso coração apenas chora, nossas lágrimas apenas descem. Não sabemos para onde vamos, para onde nossa tristeza nos levará. Mas vamos e vamos com estilo, com swing, com magia e poesia. Vamos seguir a trilha dançante e lúdica daqueles bailarinos, o anônimo que rodopia e valsa para pontuar sua dor e o onipresente que agora repousa no berço da infinitude, nas gravações e nas imagens reproduzidas em multiplataformas, em múltiplas vozes que o cantam imortal e em coro.
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