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terça-feira, 18 de dezembro de 2018

Velho Noel



Para ser sincero, eu não quero mais. Não quero mais brigar, não quero mais sofrer. Esse nosso processo torturante, quase dialético, não nos faz bem. Só quero paz, amor e compreensão mútua. Quero só que sejamos felizes, próximos ou distantes. Seja como for, vai ficar tudo bem. Somos maduros e conscientes. Não precisamos ficar olhando para trás, nos angustiando por algo que já ficou para Alá. Ali na frente, bem à frente, há uma linda e bela jornada aguardando cada um de nós. Ali é que será jogado esse desafio chamado Destino. Enfrentá-lo, acima de tudo, é uma obrigação e não um luxo ou uma experiência lúdica. Assim, vamos até Ele.  Que nossas armas sejam um sorriso no rosto, um coração sereno e a melhor das intenções. Do resto, ele, o Destino, se encarrega, entregando a cada um de nós o que realmente fizemos por merecer, como uma criança que só é contemplada pelo Velho Noel quando o comportamento anual assim permitiu.

Arrombado



Não me diga o que fazer nem para onde ir
Sou dono do meu próprio destino, sou dono do meu próprio nariz
Vamos lá, pode rir, pode se divertir
Se minha desgraça é engraçada, então sorria
Mas eu não vou me fazer de rogado nem bancar o educado
Quer saber? Vai se foder, vai tomar no seu cu
Poeta que regula palavra é o mesmo que baixa a cabeça e mostra o rabo
Não estou aqui para agradar e sim para irritar
Não estou aqui para pedir benção e sim para roubar o cofre
Não me quer por perto? Então me exorcize ou me mate
Se nada você fizer, aqui ficarei com meu livre arbítrio
Pronto para em desatino erguer o dedo médio
E mandar que o enfie no meio do seu butão sujo
Ou, nos termos que você prefere, no cerne do seu reto fétido
Mas isso me desonraria perante Bocage, Bandeira e Gregório
Então, em bom português, eu digo e repito
Meta esse dedo grosso no seu toba e roda, filho da puta de merda
Seu arrombado do caralho

Impostora


Cecília, parecia linda, parecia ilha
Mas o ilhado fui eu,
Dos meus melhores sentimentos, das melhores intenções
Como víbora faminta, atraiu meu olhar e devorou sem pensar
Meus sonhos, minhas magias e as tantas alegrias
Que eu havia planejado para nós
Cecília, a poetisa, jamais deixaria você manchar esse nome
Cecília, a original e única, valorizaria quem a tanto eterniza
Você, a Cecília que conheci, nada mais é do que impostora,
Nada mais é do que uma usurpadora
Se você tivesse um terço do preço da matriz
Quem sabe, assim, teria me feito sorrir
Em vez de tanto lamuriar e condenar
O inferno momento em que nossos caminhos se entrelaçaram

Pegadas


Que palavras usar para você de novo me amar? Que palavras tecer para você saber que ainda a quero? De letra em letra, ainda me esqueço que não sei recomeçar. Porque talvez isso deva ser feito sem você e sem você ainda não sei onde estou ou aonde quero chegar. Triste destino de andar em desatino querendo o que já tive, buscando o que mais me aflige. As duras memórias e as doces lembranças ainda se misturam, se embaralham como partes de um jogo desconexo e incompleto. Ainda tento lembrar e isso é estranho porque eu jamais esqueci. Mas eu persisto e a recordação insurge tão intensa no horizonte mental que olhá-la diretamente me cega, me devasta. Agora fico prostrado, um tanto inerte e um tanto amargurado. E lá de longe se vai o vazio do que me pertenceu e hoje não mais faz parte de mim. Lá ao longe se vai a minha chance de ser feliz. Mas o que eu quis? Não foi esse mesmo o caminho que trilhei, não foi essa fronteira que cruzei? Agora faço de mim meus pedaços por aí espalhados como cacos de uma vidraça quebrada que jamais será a mesma novamente, que jamais será mais uma vez inteiriça e plena por si mesma. O que se vai jamais volta, não do mesmo jeito, não com a mesma graça. E aí me pego surpreso, por mais mesmo que eu já soubesse que tudo tem um preço, às vezes um alto demais para cobrir, qualquer que seja meu patrimônio, qualquer que seja minha disposição a correr riscos. A vida não é uma jogatina, uma série de apostas; a vida, em si, é simples, é apenas o desdobramento lógico que tudo que fiz, conforme minhas pegadas demonstram. E aí fica a pergunta: essas pegadas me levam para longe ou para perto de você?

terça-feira, 11 de dezembro de 2018

Receituário



Eu te amo. Você sabe disso e sempre soube. Nunca escondi meus sentimentos, nunca escondi minhas emoções. E tudo estava bem, calmo, seguindo seu devido curso. Até que ela apareceu. Revirou meu mundo, bagunçou meus desejos e me fez deserto que antes era habitado pela mais bela flor. Explica agora o que faço, explica agora como me acho em meio a esse caos que ela provocou em nossas vidas. Eu juro que queria ver as coisas diferentes, eu juro que não queria estar passando por isso. Mas não tivemos escolha. Ela apareceu e roubou tudo. Ela despontou no horizonte e o Sol jamais voltou a brilhar diante de nossas vidas. Agora ela se vai, arrastando você pelas mãos, prometendo um novo mundo e uma nova geografia. Já eu fico aqui, triste, desidratado e totalmente remendado. Ainda tento entender o que não tem explicação. Ela simplesmente era a pessoa certa e eu agora me amargo, sabendo não ter sido a melhor das companhias e o melhor dos companheiros. Talvez seja assim mesmo. Ela pode fazer você feliz da forma que jamais fiz. E assim é o universo e a humanidade, a cada dia uma nova surpresa nessa jornada ingrata chamada vida e autoconhecimento. Talvez um dia eu também ache essa pessoa que ela agora vai ser para você e, assim, talvez, eu me surpreenda por ser alguém totalmente diferente dos rótulos e prescrições que esses tantos doutores me receitaram.


O beijo...



O beijo. Sim, aquele definitivo, final e intransitivo. Não precisa de complementos ou explicações. Ele apenas se justifica quando os lábios explodem no encontro mútuo, quando as faíscas são expelidas e recriam toda a fascinação. O beijo, aquele em que as línguas se abraçam como se fossem os amantes prometidos desde o início. O beijo, aquele com gosto, com aroma, com sabor. O beijo que começa nos lábios e desce por todo o corpo em forma de palpitações e sinestesias que jamais saberíamos descrever. Esse beijo, o beijo, é o beijo que não pode ser emprestado, transferido ou terceirizado. Apenas quem já sentiu sabe o que é, entende o pleno significado do ato. O beijo, sim, o único e inesquecível, é um presente para quem sabe amar e para quem saber escolher. É a dádiva de quem espera pela presença certa e não fica pulando de boca em boca, como afogado em desespero por uma brisa de ar. O beijo é não apenas o selar de lábios, mas também é o reencontrar de corpos e almas. É a reunião de quem já se conhecia muito antes de saber da existência alheia. O beijo é isso, é obra de arte, é transcendência, é a imortalidade traduzida no pecado a que todos nós, amantes do amar, estamos destinados, seja por escolha, vocação ou, simplesmente, rebeldia.

segunda-feira, 10 de dezembro de 2018

Floral fantasia



A beleza está no riso incontido, no abraço apertado, na gentileza oferecida. A beleza é o elogio sincero, a correção moderada e o reconhecimento atendido. Nada é mais poético do que as mãos dadas, do que o beijo espontâneo, do que o carinho não requerido. Tudo na vida é por si mesmo magnífico e lindo, basta ter os olhos e corações abertos. O pássaro canta e quantos não escutam? O Sol nasce, proporcionando uma linda aquarela de luzes, cores e formas. E quantos dormem sem conseguir assistir? A criança brinca, se diverte, faz gracejos. Quantos adultos realmente prestam atenção? Quantas vezes só se percebe a criança quando ela chora ou faz alguma má criação? A vida, todos os dias e em todos os momentos, nos brinda com tantos presentes e com tantas belezas. Porém, muitos de nós, fechados em nossos calabouços da rotina e da pressa infundada, despercebemos todo esse espetáculo que a vida nos entrega de graça. Então, sejamos mais atentos, sejamos mais solícitos. Quando se descobre o mundo por trás daquele outro que nos prende, tudo se torna muito mais fácil e lírico. E, daí em diante, a vida se faz mais natural e espontânea, formando uma apoteose de fatores construtivos, capaz de nos unir e de nos somar em um processo constante e contínuo. Para tal, basta nos permitirmos e nos revestirmos de toda essa floral fantasia com qual encontramos todos os dias.

A linha certa



Quando não havia nada, veio você. Quando achei que tinha tudo, você se foi. Entre perdas e ganhos, entre acertos e erros, vejo que a vida não é escrita a grafite, mas a tinta. Podemos até vacilar, trocar os pés pelas mãos; então, quando isso acontece, amargamente descobrimos que não vale a pena sair da linha, quando o objetivo é justamente nos manter nela. Podemos até enganar a linha ou quem a observa, simulando que estivemos ali, retilíneos, o tempo todo. Mas é possível enganarmos a nós mesmos, fingindo ser quem não somos e fingindo fazer algo que está bem distante da realidade? Aí vem a verdade e nos bate com a porta na cara, de uma vez só. O inchaço e o dolorido nada mais são do que lembretes de que tudo o que presta merece esforço e sacrifício. Quem prefere as linhas tortas sempre está desiludido, sem saber por onde anda e ignorando aonde quer chegar. As linhas tortas, enfim, só são um disfarce para quem adia tanto o momento de crescer e se realizar. Aí, quando a ficha cai e a conta chega, não teremos a menor garantia de que a linha certa ainda estará ali à nossa espera. Então, por que enrolar? É para já andar o caminho justo para chegar mais longe e com quem amamos ao nosso lado. É o único jeito, ou então tudo será descaminho, tudo será tempo perdido.

quinta-feira, 6 de dezembro de 2018

Trincheira



Não diga nada. Nada. Simples assim. Siga em frente e enfrente o que está porvir. Feche os olhos e se concentre para buscar forças. Mas quando a batalha começar, esteja de olhos abertos e bem atento a tudo. Será doloroso e você sairá um tanto machucado. Porém, sairá vitorioso. Não pense que acabou. O inimigo, ainda que vencido, não está morto. Você precisará lidar com os ardis e com as armadilhas. Serão muitos os desafios e perigos à sua volta. No entanto, você, confiante e engenhoso, saberá lidar com os espinhos, transformando-os em caminho para a investida final. Agora sim, a vitória é sua e definitiva. Celebre, abrace, brinde e se satisfaça. Não foi fácil chegar até aqui, não foi de graça cada cicatriz. Agora, sorria e se permita feliz. Só não se esqueça de quem o acompanhou até o desfecho. Não deixe de reconhecer todos que colaboraram e que tornaram tudo possível. Como muito bem nos lembra Hemingway, o caráter do seu companheiro de trincheira é mais importante do que a própria guerra.

Derradeira



Esse fogo que me queima, essa paixão que me transborda
Com seus beijos, me aceso e me aqueço
O frio da indiferença se afasta como fantasma assustado
E a luz de sua presença me alcança e me acalenta
Fazendo de mim mais feliz, fazendo de mim quem eu quis
E com seu corpo em meus laços, vivemos longa e intensa abrasão
Na manhã seguinte, me vejo solitário e desvalido
Interrogações e dúvidas me tomam os horizontes
Não sei mais se foi quimera, devaneio, ilusório amor
Ou se de fato a tive em meu peito, intercalando uivos e afetos
Diante de tal distúrbio, me refaço e me levanto
E assim repito todo o ritual do dia anterior
Na vã e tola esperança desesperançada
De tê-la de novo junto a mim por mais uma noite
Ainda que seja em sonho, ainda que seja em carbono
Pouco me importa a natureza de sua matéria
Apenas me basta que seja você, novamente, por entre meus braços
E assim nos deliciamos em uma madrugada que pode ser a derradeira
Ou quem sabe, num sopro de otimismo, de tantas a primeira

sexta-feira, 30 de novembro de 2018

A dobra do egoísmo



Amor não se dá, não se vende, não se oferece. O amor simplesmente aparece, é uma conquista, uma doce magia. Amor é algo que se compartilha, que se põe à mesa para duas pessoas. Amor, enfim, é o elo entre duas vidas, é a dobra do egoísmo em favor de algo muito melhor.

segunda-feira, 12 de novembro de 2018

Vem comigo


Bora, levanta, sacode a poeira e joga a tristeza ao vento. Bora recomeçar, fazer de novo, fazer melhor. Na vida, não tem game over; na vida, o que tem é o dia seguinte e a oportunidade de se reinventar. Então é assim: diga sim ao que vem ao seu encontro, ao que lhe procura rezando por uma chance. Aquele tempo perdido que foi investido onde não teve nada é só uma lição que deve ficar escrita em letras garrafais em algum diário vazio. Agora não dá mais é para chorar pitangas enquanto o trem passa sem ninguém embarcar. Meu bem, deixa disso; desapega e sossega esse coração aflito. Nada mais é do que já foi. Ninguém é maior do que o próprio reflexo no espelho. Então, não esquenta; relaxa e deixa a banda passar. Tudo vem por um motivo e também se vai por algum outro motivo. Tudo certo, sem problema. O que não pode acontecer é aquele desânimo que pensa que é cunhado e, em vez de ficar dois dias, acaba completando um semestre de permanência indesejada. Não deixa isso acontecer, desaloja esse folgado e volta a viver os seus melhores dias. Eu nunca disse que seria fácil, eu disse sim que sempre foi possível. E ainda é. Mas não vai acontecer com você se acomodando e buscando outros culpados. Deixa de frescura e arregaça as mangas. Chegou a hora de transformar os limões azedos em caipirinha. Você coloca sua doçura e eu a minha loucura. Quando tudo estiver junto e misturado, aí basta servir e ganhar uns trocados. Bora, então ser feliz? Eu chego comigo e você vem sozinha. Juntando nossas companhias, somos uma multidão de alegria. Eu disse, você lembra? Não basta muito para se realizar. Um sorriso, alguns abraços e taí: o mundo voltou a ser colorido e repleto de delícias. Então, partiu ser feliz? Não? Vem comigo, no caminho eu explico, não sem o risco de alguns beijos roubados e o vestido amarrotado.

Felicidade


sexta-feira, 9 de novembro de 2018

Quanto vale a vida?



Rapaz talentoso. Com a bola nos pés, tudo se tornava mágico e óbvio. Os passes precisos e os gols não tão numerosos, mas decisivos; o catapultaram à condição de camisa 10 dos sonhos de qualquer time. A crise financeira e moral que assolou o seu clube à época, o Botafogo, permitiu que rompesse o contrato. Se em General Severiano o salário já era vultuoso, a assinatura de contrato com o São Paulo lhe materializou a fortuna. Com o estrelado, também vieram as brasas da vaidade, consumindo sua carreira e sua imagem. Jogar em um clube tricampeão da Libertadores e do Mundo arrancou sua condição de anônimo. O rapaz agora é atleta de primeira grandeza, pé de obra do escudo mais poderoso do futebol brasileiro. Assim, o assédio explodiu como pólvora ao fogo. As garotas, antes reticentes, agora se tornaram acessíveis. Os amigos, tão sumidos nos tempos menos generosos, se multiplicaram. Tudo parecia roteiro de um filme com final feliz. Mas veio a lesão no joelho, a incômoda fraqueza que o acompanharia até fim dos dias. O joelho ferido foi como um choque de realidade. As oportunidades no time principal do São Paulo encolheram, até sumirem de vez. Para ser aproveitado, foi testado em outros clubes. O jovem envergou as camisas da Ponte Preta, do Coritiba e do São Bento. Nessas paragens, não brilhou intensamente, como o fizera com a camisa gloriosa da Estrela Solitária. Mas, badalado, conheceu muitas pessoas, participou de muitas festas e se tornou alvo de muitos interesses. Na capital paranaense, em especial, conheceu uma moça primaveril e bela. O magnetismo sexual foi intenso e imediato. Passaram a se encontrar com frequência. As famílias foram envolvidas e tudo parecia muito confortável. Quando a carreira lhe tirou do Sul do país, os contatos foram mantidos. Algumas vezes se reencontravam, sempre com a mesma chama e o mesmo ardor. Agora, no entanto, o rapaz já não é aquele menino tão tímido de outra época. A fama e a fortuna o forjaram de autoconfiança. As tantas garotas com quem dorme são expostas em grupos privados de rede sociais como troféus. Ali, desafios e picardias sexuais são numerosos e recorrentes. Sempre há um novo alvo para ser abatido e exibido. Enfim, esse jovem se transforma em um garanhão, em um puro-sangue capaz de tantas proezas no campo da sedução. Nos gramados, já não é tão proativo e seguro. E isso talvez tenha sido a perdição desse promissor atleta. Focado não mais na carreira futebolística, mas em uma vida sexual movimentada; recebe a chance de rever sua querida moça do Sul. Era aniversário dela. Mas, provavelmente, dele seria o maior dos presentes sob os lençóis. Na festa, tudo bem, tudo certo. Bebidas, beijos, fotos, bajulação: o roteiro básico de quem já se afamou sob os holofotes da bola. Quando a celebração parece encerrada, uma proposta de after party. Parecia legal, por que não? E lá foi rapaz para uma casa bastante requintada e afastada do espaço noturno original. Lá, mais bebidas, mais beijos e mais tentações. A mãe da aniversariante, uma senhora de beleza interessante, abandona os festejos para descansar. Nas redes sociais, o rapaz está se gabando com os amigos e promete a eles que apresentará mais uma conquista sexual. De fato, ele se reúne a ela sob lençóis. Mas em quais condições? Teria sido sexo, abuso ou só mesmo uma mera brincadeira pueril de quem queria inflar o próprio ego perante os amigos? Não dá para saber ao certo. As fotos postadas no grupo não são conclusivas. As mensagens textualizadas pelo rapaz sim. Elas dão conta de que, supostamente, ele teve momentos de sexo com a adormecida mulher.  Sem qualquer sobreaviso, o quarto é subitamente invadido. O jogador é dominado por pessoas sedentas de sangue e brutalmente agredido. E ali, entre a chuva de punhos cerrados e solados furiosos, ele vislumbra o começo da carreira, nas categorias de base do Cruzeiro e depois do Botafogo. Ele relembra os gols, os títulos, as amizades e todo o desfiar de sua carreira que parecia tão futurosa e destinada ao estrelato. Se pudesse imaginar como seria o próprio fim, jamais preveria que seria daquele jeito: sendo desfigurado por agressores irascíveis, em meio ao olhar assustado de cúmplices acovardados, no esplendor da sua jovialidade. Não demora até que tudo se torne turvo e opaco. A Divindade, do alto de sua misericórdia, arranca o jovem de seu corpo mutilado, antes que ali lhe fossem produzidos os ferimentos mortais e sádicos. Do lado de fora, ele consegue se ver já sem vida e completamente  destruído. Bem diferente das fotos de jornais, sites e revistas. Bem diferente do sorriso que lhe estampava a face quando em companhia de familiares e entes queridos. Aliás, mesmo distante deles, consegue captar cada angústia e cada dor, até que a verdade se revela e a todos choca. Sem poder amparar aos que ama, o rapaz reflete. Terá mesmo valido a pena morrer por tão pouco? Para onde estamos caminhando, se a tecnologia, em vez de auxiliar, se transforma em instrumento de narcisismo e desinformação? Uma carreira tão abençoada deveria mesmo ter conduzido àquilo? Será mesmo que as mulheres supérfluas e os amigos de aparência foram a melhor escolha? Quantas amizades genuínas e amores cristalinos se perderam por entre as sombras do egocentrismo e da soberba? Quanto vale a vida? Tão pouco a ponto de seres humanos subtraírem a vida de outro por ciúme e vingança? Uma vida é descartável a ponto de ser destruída de forma tão psicótica e doentia por mera frivolidade? Onde estavam aqueles que prometeram lhe acompanhar até o final? Onde estavam os amigos que honrariam sua memória e sua história? As tantas reflexões foram interrompidas quando mãos radiantes tocaram o ombro do rapaz. Ali sim estavam seus amigos de verdade, aqueles que vieram lhe trazer consolação e reconstrução. Então, à luz da sabedoria, o jovem entendeu que ali se formava uma nova chance de recomeçar, que ali estavam não as trevas e o ostracismo, mas sim a esperança e o renascimento, permitindo-lhe converter todos os descaminhos em acertos, todos os medos em convicções para um novo ser e uma nova era.

Nota: Esse texto é uma reflexão e uma homenagem à memória do atleta de futebol Daniel Corrêa Freitas, brutalmente assassinado. Que sua trajetória nos sirva de lição e de ponderação sobre os tempos em que vivemos hoje, de muita intolerância e de desrespeito a valores basilares como amor, empatia, amizade e solidariedade. 

quarta-feira, 31 de outubro de 2018

Coragem



Coragem. Coragem para permanecer na luta, coragem para aceitar a derrota. Coragem para resistir e fazer oposição ao que for ofensivo e deletério. Coragem para seguir em frente, de cabeça erguida, com a certeza de que se fez a mais consciente das escolhas. Coragem para enfrentar desafios e, por vezes, pisar em espinhos. Coragem para mudar o que for necessário e para conviver com que for obrigatório. Coragem para buscar novos caminhos e para contornar os numerosos abismos. Coragem para buscar os mesmos sonhos sem pessimismo ou revanche. Coragem para ser tolerância sem jamais ser conivência. Coragem para não desistir e batalhar pelos valores da democracia e da república. Coragem para ser a diferença onde a igualdade sufoca. Coragem para não ser indiferente a desmandos, transgressões e violências. Coragem para exercer a cidadania que o país tanto precisa em tempos que podem ser de dura travessia ou de inesperada calmaria. Coragem hoje, coragem em todos os dias. Coragem sempre.

segunda-feira, 15 de outubro de 2018

A próxima refeição



Não faz diferença. Ou melhor, faz toda a diferença. Aqueles dois números mágicos que você vai digitar no dia 28 de outubro serão cruciais para o futuro do país. Realmente, não devemos pregar que se trata de uma escolha entre democracia e ditadura, entre criação e destruição. O cenário que nos apresenta é mais de uma escolha entre continuísmo e ruptura. Mas continuísmo de que? De acertos ou de erros? Só mesmo uma pessoa com a visão sectária não reconhece que a gestão interrompida pela trupe de Temer teve seus acertos e também seus tantos erros. É deles que Haddad iniciará uma eventual gestão petista? A resposta está no programa no candidato e no que por ele foi feito em seus tempos de Ministro da Educação e Prefeito de São Paulo. Foram gestões que também balançaram, e muito, entre correções e deslizes. Por isso, uma análise cuidadosa e com muito critério se faz pertinente e muito bem-vinda.
Do outro lado, temos uma candidatura que é bastante radical no seu discurso, e ainda mais radical quando se vê ataques a minorias protagonizados por seus partidários. Bolsonaro não é mesmo responsável direto pelo que seus eleitores fazem, mas seria de bom-tom que dele viessem palavras de calmaria e de serenidade. Não ajuda aos indecisos que adeptos de um lado esfaqueiem e espanquem discordantes. Na verdade, isso explica muito o contexto. Esses valentões de meia tigela, que só assim o são em maioria ou armados até os dentes, não lutam por uma mudança de paradigma, entregando à sociedade um governo aliado da boa gestão e da quebra com os elos corruptivos. Para eles, o negócio é estancar a sangria da justiça social que o PT, verdade seja dita, engendrou por questões muito mais eleitorais do que humanitárias. Ainda assim, na gestão de Lula/Dilma muito se observou de avanços no que tange a direitos de minorias e desfavorecidos.
Esse progresso social e econômico das classes emergentes desagradou tanto às “elites” que a colunista Danuza Leão traduziu em palavras o sentimento dessa turma, ao dizer que não tinha mais graça ir a Nova Iorque porque lá haveria o risco de encontrar o porteiro do próprio prédio. Pois bem, é muito positivo, em um país eivado por desigualdades e indiferenças aos desprotegidos, que porteiros e demais classes trabalhadoras possam frequentar aeroportos e desfrutar de roteiros turísticos internacionais.
Eleitores de Jair Bolsonaro têm todo o direito de enxergar nele a melhor das opções, depois de analisar o programa e o discurso do candidato. Mas, por favor, não votem no atual deputado para se vingar de minorias e de emergentes. Fazer isso é como criar cobras para acabar com roedores. Agindo assim, realmente, não teremos mais roedores, mas e quanto às cobras? Quem vai se livrar delas, quem vai lidar com elas? Antes mesmo de se ensaiar a resposta, saiba que elas já estarão, na primeira madrugada possível, enroscadas em seus pescoços, prontas para a próxima refeição.

sexta-feira, 28 de setembro de 2018

O padrão



Eu não inventei o padrão. Muito menos me encaixo nele ou ali encontro as respostas de que preciso. Então qual a razão dos padrões e das regras tão rígidas? Quem sai ganhando com isso? Eu fico, mesmo, com a impressão de que o padrão foi criado para dar vantagem a quem o criou, agindo à margem dele em benefício próprio. Nesse caso, nossos deputados e senadores já exemplificam tudo isso, porque eles legislam e lucram fortunas subvertendo o que eles próprios estabeleceram. Parece contraditório, e é. Muitas vezes, quem inventa a regra ou quem a defende com tamanho afinco é justamente quem tem algo a ganhar para além dela. Não estou dizendo que as normas e padrões devam ser lançados às favas, entornando em todos nós uma atmosfera de anarquia e caos. Não é assim que funciona. Precisamos de referências e de parâmetros. Mas a questão é: quais referências e quais parâmetros? E quem as decide? Não questionamos a existência as regra e sim quais delas devem realmente ser estabelecidas. Em um mundo onde se vive uma inversão brutal de valores, é necessário interpelar a intenção e os interesses de quem delimita o que é lei e o que não é. É preciso enxergar que a regra não deve favorecer A ou B e sim beneficiar toda a sociedade. Agora, com isso em mente, se pergunte com verdade nos olhos: são todas as leis que realmente beneficiam a todos? Se a resposta for não, então reflita sobre o seguimento fiel a elas e depois, se for caso, batalhe para mudá-las. Decisões erradas e fortuitas não podem, para sempre, prejudicar a maioria de nós. Vamos à luta e vamos em frente.

A grande mágica



Amor vende-se em dose? Então quero mais, quero até a última dose, overdose. Amor vende-se em caixas ou pílulas? Que bom seria ter a cura de todos os males comprimida em cápsula. Que bom seria desembalar o sentimento, tirá-lo da caixa, vivê-lo por completo. Eu bem que gostaria de vender amor, ser o mercador do bem, o dono do armazém de esperanças. Mas não sou nem posso ser. Não vendo sentimentos nem pessoas, mas posso exportar otimismo, fazer crer que a vida é um poço sem abismo. Posso servir uma dose de amor? Não, não rola, mas posso convidar você a se abrir com entusiasmo para o dia, a deixar rolar os sentimentos, os abraços e, assim como quem não quer nada, esbarrar naquilo que pode ser a grande mágica que não se acha nas caixas nem nas cápsulas.

quinta-feira, 27 de setembro de 2018

Obstinação



É para ter coragem, garra e atino
Viver não é descer para o playground
E sim encarar cada desafio, cada descaminho
As coisas quase nunca serão fáceis ou suaves
Aprender, crescer e empreender requer obstáculos
Somos como pipa que as crianças soltam pelos ares
Subimos nunca a favor, mas sempre contra o vento
E não venha reclamar, inventar contratempo
Desculpas foram criadas pelos preguiçosos e ociosos
Quem é de fazer, pega, faz e esquece o que foi empecilho
Eu sei, à vezes complica, às vezes sufoca
A vida é assim: um tanto misteriosa, um tanto provocativa
A resposta nossa é que precisa ser firme e consistente
Diga sempre sim ao desenvolvimento e ao trabalho
Diga sempre sim quando o impossível for uma certeza
Quando chegamos ao alto da montanha, já ofegantes
É que olhamos para baixo e entendemos
A subida não era assim tão irresistível
Nosso medo é que impôs a maior dificuldade
E nossa obstinação é que transformou a conquista em realidade

quarta-feira, 26 de setembro de 2018

Meu infinito

Beijo meu, beijo seu
Uma união de lábios sedosos
Que sela nossos destinos libidinosos
Quando sua boca encontra meu corpo
Quando minha língua percorre seu escopo
Eu me sinto livre, eu me sinto solto
Solto para amar e voar
Solto para existir e participar
Desse nosso jogo misterioso
Dessa nossa fantasia colorida
Estar em seus braços é meu melhor lado
Que dele eu nunca mais me liberte
Que desse enlace se crie o eu equilibrado
Onde tanto me multiplico e me divido
Para, enfim, ter você como infinito

quarta-feira, 19 de setembro de 2018

Palavras



As palavras são companheiras aladas
Criaturas cósmicas que nos visitam o pensamento
De tempo em tempo, a todo o momento
Palavras são sentimentos engasgados em letras
São símbolos que carregam muito mais do que significado
Palavras são melodia, metáfora, sinergia
São duendes que nos traem em nossa tirania
Mas que também nos salvam em noites de agonia
Palavras são mágicas, são confetes, são contagiantes
Se você saca da alma uma palavra de bem e de edificação
Todos ao seu lado estarão em harmonia, trabalhando
Mas se você pega uma que não seja de benevolência
Aí verá o ambiente ser tomado pela pesada e sonora turbulência
Então não esqueça: palavras não são armas, não são facas
Elas só ferem quem lhes dá pleno ouvido
E só são letais nas mãos de quem ainda nem sabe soletrar



quinta-feira, 13 de setembro de 2018

Triste sinfonia


Questiono à triste e ingrata sinfonia
Que é viver exilado de seus abraços e afagos
Como faço para merecer seu sobreaviso?
Para ter de você mais do que um olhar lascivo e perdido?
Estou certo de que a solidão me ronda
Como besta-fera a rosnar e perseguir
Quem dela não se afasta quase de imediato
Mas meus sentimentos me tornam perigosamente tolo
Me dotam de uma coragem antes não existida
E fico aqui, encarando o perigo e procurando seu abrigo
Tudo em vão, você me sorri e se vai furtivamente
Entre outros braços, mergulhada em outro sorriso
A melancolia me abate e me destrona
E agora só me resta soluçar como criança contrariada
E me guardar na esperança de que um novo coração
Estará em meu desatinado destino, como se fosse chão

quarta-feira, 12 de setembro de 2018

Como se fosse fim


Minha paz é você, seu sorriso
Entre tantas belezas, meu colírio
Uma criação linda e divina
Que tenha para chamar de minha
Posso ser ambicioso por querer você
Mas qual homem também não quereria?
Qual homem seria capaz de lhe largar a mercê?
Se eu não fizesse algo, eu não mereceria
Ter seus olhos juntos aos meus
E sua respiração me encarando, como se fosse um adeus
Se fosse para ser mais um, mais uma noite esquecida
Eu asseguro que não mais me importaria
Mas me importo porque você é luz para quem está de guarida
Você é sossego para quem de amor, para quem vê desespero
Eu tenho a serenidade de olhar e sentir você em mim
E a certeza de que entre todas as coisas do mundo inteiro
Você é aquela que me traduz melhor, como se fosse um fim 

Alento



Às vezes, quando o pensamento soma,
O ato se assombra e deixa de existir
Por isso, pense bem, mas não tanto
O quanto se pensa não se sustenta
Na necessidade do mundo real
Seja racional, mas também seja ágil
Afinal de contas, você é mesmo humano?
Ou só mais um entre tantos?
Você é mesmo feito de carbono?
Ou só mesmo mais um mero engano?
A resposta será seu juízo final
Porque das ações nascem o imperal
Daquilo que vivemos e sofremos
E sofremos porque ou agimos rápido
Quase um baleio desavisado, a esmo
Ou retardamos tanto e por tanto tempo
O que nos deriva à felicidade de um alento

terça-feira, 4 de setembro de 2018

Indigna nação


O descaso acabou com a História
Não foi o fogo quem destruiu o museu
Mas sim a incompetência e a desonra
De quem golpeou o país em troca de nada
Agora só resta lamentar, soluçar
Por tudo que se foi, por tudo que ficou para trás
Como respeitar um país que não respeita a si mesmo?
Como respeitar o juízo tão penoso com alguns?
E tão leviano com outros, entre eles misóginos e bandidos assumidos?
O museu destruído, devastado, reduzido a pó
Nada mais é do que uma triste e irônica metáfora
Dos tempos que vivemos hoje, do país que habitamos
Onde regras valem só para um lado
Onde o ódio e a intransigência
Tomam conta das instituições e das agências
E eles, com os rostos impávidos e lívidos,
Ainda acreditam mesmo que não tem nada com isso
Que é só uma mera e singela coincidência
Um país que se vende aos interesses de poucos
Sempre acaba assim, desse jeito
Com sua história entre escombros e cinzas
Com trajetória rompida por bastardos inglórios
É para revoltar a qualquer um, é indignação
Ter de aturar essa gente no comando
Nos transformando em indigna nação.